A mais incrível mulher da história do Sul Fluminense vai virar livro

by Diário do Vale

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Qualquer criança conhece Ana Maria Machado, a escritora. Aliás, principalmente as crianças conhecem Ana Maria Machado, através de seus livros infanto-juvenis que lhe valeram os mais importantes prêmios nacionais e internacionais.

Ocupante da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras, esta mulher genial morou em Paris, a partir de 1969, por quase quatro anos (na época do regime militar). Foi professora de Língua Portuguesa na Sorbonne – um mito entre as universidades da França e do mundo.

Uma outra brasileira, hoje infelizmente bem menos conhecida no Brasil, também morou em Paris. Mas foi para lá muitos anos antes. Mais de um século antes: em 1873. Seu nome: Eufrásia Teixeira Leite. Local de nascimento: Vassouras, no Sul Fluminense. Profissão: milionária. Especialidade: ganhar dinheiro. Atividade: viver e amar intensamente. Seu testamento: quase todo o dinheiro doado à caridade para a cidade em que nasceu.

A história destas duas mulheres incríveis vão se cruzar daqui a oito dias. No dia 5 de outubro, retornando de vários festivais literários na França, Ana Maria Machado lança no Brasil seu novo livro: “Um mapa todo seu”. É a história da vassourense Eufrásia, incluindo seu romance com o abolicionista Joaquim Nabuco, mostrando o perfil de uma mulher muito à frente do seu tempo.

A seguir contaremos um pouco da história de Eufrásia Teixeira Leite – a mulher que chocou a sociedade com seu senso de liberdade, sua habilidade para os negócios e sua grandeza.

 

A mulher que calculava troca Vassouras por Paris

 

Como toda sinhazinha do Segundo Império, Eufrásia Teixeira Leite, nascida em 15 de abril de 1850, foi educada finamente – aprendeu piano, francês e boas maneiras.

Mas o pai de Eufrásia, Joaquim José Teixeira Leite, tinha planos mais audaciosos para Eufrásia e sua irmã, Francisca: educou-as envolvendo-as no mundo dos negócios comerciais e financeiros – um setor totalmente dominado por homens naquela sociedade patriarcal.

Em Vassouras, onde moravam, Joaquim tinha uma Casa de Descontos (o equivalente a um banco hoje). Ganhava o dinheiro do café sem plantar café – financiando os barões cafeeiros. Não tinha fazenda, mas apenas uma chácara (a Casa de Hera, até hoje bem preservada) e cinco escravos.

Joaquim perdeu a mulher, Ana, em 1871. No ano seguinte também morreu, deixando as filhas órfãs. Eufrásia, com 22 anos, e Francisca, com 27.

O pai deixou para as filhas uma fortuna invejável em títulos públicos, apólices do Banco do Brasil e créditos de dívidas a receber. Era um valor maior que toda a dotação anual de D. Pedro II.

O normal, naquela época, seria que os tios de Eufrásia, em Vassouras, administrassem os bens das jovens herdeiras. Que nada. Para desespero da parentada, Eufrásia pegou a irmã e partiu para morar em Paris. Foram inúteis as repreensões da família, preocupada com a honra e o futuro das moçoilas.

Partiram no navio Chimborazo. Neste mesmo vapor embarcava o mais famoso abolicionista brasileiro: Joaquim Nabuco.

Do encontro entre Eufrásia e Nabuco, naquela travessia oceânica, nasceria uma paixão avassaladora que marcaria a história.

 

Viagem tranquila inicia uma paixão tempestuosa

 

A paixão entre Eufrásia e Joaquim Nabuco foi tão fulminante que, ao término daquela viagem, os dois estavam noivos. Nada de Nabuco ter que pedir a mão em casamento aos tios. Era ela quem decidia.

Claro que houve reação. A família ficou revoltada. A família era do Partido Conservador e os pais de Nabuco do Partido Liberal. Nabuco era abolicionista e os tios viviam da escravidão. Nabuco era pé-rapado e Eufrásia era a nata da elite. Os parentes achavam que ele era um caça-dotes, atrás da grana de Eufrásia..

Danem-se os parentes – “aquela gente que vive falando à toa”, como canta Sérgio Reis. Os dois viveram momentos intensos de amor sob as luzes de Paris.

Tudo ia bem até que Nabuco resolveu se engraçar para o lado de outra dama em Paris. Eufrásia teve uma crise de ciúmes e o mandou pastar.

Retomaram o namoro nos românticos canais de Veneza. Terminaram e reataram várias vezes. Joaquim Nabuco doido para casar e Eufrásia enrolando.

Em 1885, Eufrásia veio ao Brasil para ajudar (incluindo financeiramente) Joaquim Nabuco, então eleito deputado, em sua campanha abolicionista. A família esperneou. Eufrásia estaria usando dinheiro que herdou dos investimentos em escravidão para financiar o abolicionismo.

Decididamente aquela relação amorosa gerou forte repercussão política, desde seu início. Em 1875, o senador do Partido Conservador e famoso escritor José de Alencar lançou o livro “A Senhora”. Inspirou-se em Eufrásia e usou o livro para fazer chacota de Joaquim Nabuco como suposto caça-dotes: no livro uma jovem orfã e milionária, chamada Aurélia, compra seu próprio marido, como se este fosse um escravo. Chega a chamá-lo de “marido vendido”.

Mas não foi bem assim no final. Após 14 anos de paixão, um belo dia Eufrásia, em Paris, descobre que Joaquim Nabuco está endividado. Escreve-lhe uma carta oferecendo dinheiro. Ofendido, Nabuco responde com uma indignada carta de rompimento. Pede de volta todas as cartas que enviou. Eufrásia diz que não as devolveria, pois eram parte da sua história.

Ali acabou a relação. Nabuco se casou com outra mulher e teve filhos. Eufrásia continuou brilhando nos salões de Paris, mas sem jamais esquecer sua grande paixão. Nunca se casou e nem deixou herdeiros.

 

Uma fortuna em obras sociais para uma cidade

 

Ninguém pense que Eufrásia vivia em Paris o tempo todo pensando em Nabuco. Morava em uma mansão em Champs-Élysée (um imóvel que hoje custaria cerca de US$ 15 milhões). Era conhecida como a dama dos diamantes negros. Bordava as pedras preciosas do vestido aos cabelos.

Era uma fera como investidora. Tinha ações de empresas em setores de ponta, como estradas de ferro, exploração de petróleo, jazidas de diamantes e ouro. E eram de países variados. Era tão hábil financista que sua fortuna passou incólume pela crise mundial de 1929.

Morreu octogenária em 1930. Deixou praticamente toda a sua herança em obras de caridade e para o desenvolvimento de sua cidade natal – Vassouras.

Nunca Vassouras tinha visto tanto dinheiro. A doação foi equivalente a quase duas toneladas de ouro. Salvou a cidade da decadência após o ciclo do café.

Uma boa definição sobre Eufrásia foi dada pela professora e doutora em História Marilda Corrêa Ciribelli, da UFRJ:

– A dimensão histórica ou a imagem que hoje fazemos de Eufrásia é a de uma mulher do Século XIX que não se submeteu ao seu espaço nem ao seu tempo; de uma mulher que transformou a história de uma cidade; de uma mulher forte, corajosa e profundamente ambiciosa, mas dona de uma fascinante e contraditória personalidade.

A paixão fulminante e tempestuosa entre Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco chocou a sociedade no Segundo Império

A paixão fulminante e tempestuosa entre Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco chocou a sociedade no Segundo Império

 

 

 

 

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16 comments

mercia ferreira dos santos silva 18 de outubro de 2015, 14:04h - 14:04

Aurélio Paiva, se me permite outra sugestão além da matéria que sugeri sobre o dia da consciência negra,também gostaria de vê-lo escrever sobre Manuel Jacinto Carneiro da Costa e Gama,o Barão de Juparanã!

mercia ferreira dos santos silva 18 de outubro de 2015, 13:54h - 13:54

Mais uma vez brilhante,Aurélio Paiva.Faltou apenas mencionar o destino que foi dado aos bens de Eufrásia,as manobras jurídicas e políticas para surrupiar tudo o que ela deixou.A Fundação Severino Sombra é um acinte á memória de Eufrásia, onde até seu busto passa desapercebido e desconhecido da maioria dos alunos.Muitos vassourenses nem sabe quem ela é.Ao pesquisar sobre o assunto e fazer um resumo de 9 páginas acabei percebendo que quando o roubo é travestido de legalidade tudo é possível.Ironicamente quando o General Severino Sombra veio à óbito, foi festejado pelo Correio da Lavoura como um dos maiores empreendedores (?) que o Município já conheceu e seu corpo desfilou pelas ruas de Vassouras com o povo ignorando que toda herança que o Município recebeu veio de Eufrásia.

CABEÇÃO 1 de outubro de 2015, 14:41h - 14:41

SE VOCES VISSEM O TAMANHO DA MINHA CABEÇA CHEGARIAM A CONCLUSÃO QUE A MULHER MAIS INCRÍVEL DA HISTÓRIA DO SUL FLUMINENSE É A MINHA MÃE KKKKKKKKKKKK

paulo 29 de setembro de 2015, 10:39h - 10:39

A Historia que os vereadores de Volta Redonda tem que contar a população., É o apoio ao Eduardo cunha citado 3 vezes na lava jato, logo ele estará atras das grades.
Se ele é bandido, tem muito politico envolvido com ele por aqui!!

CARLOS AUGUSTO DOS SANTOS 29 de setembro de 2015, 14:06h - 14:06

Amigo, não consegui ligar seu comentário, com a matéria tratada aqui.
Juro, não entendi.

anderson 28 de setembro de 2015, 22:50h - 22:50

Muito bom, agora nem preciso comprar o livro. A historia já foi contada.

CARLOS AUGUSTO DOS SANTOS 28 de setembro de 2015, 14:20h - 14:20

Aurelio, nasci em Barão de juparanã, berço de grandes vultos de nossa história, tais como, Caxias, Princesa Izabel e etc.
Meus parabéns, por sua matéria.

gosto muito de historia do passado adoro ler historias do passado do nosso brasil guando leio parece que vivi na epoca linda historia de eufrasia parabens 28 de setembro de 2015, 12:25h - 12:25

linda historia gostaria de poder ler outras.

Fernando 28 de setembro de 2015, 08:25h - 08:25

Aurélio, parabéns! Gostei muito da história.

antonio 28 de setembro de 2015, 00:08h - 00:08

Será que houve engano ao citar o ano de “1975” ? Partido conservador no auge do regime militar ?

Aurélio Paiva 29 de setembro de 2015, 14:12h - 14:12

Obrigado. O erro foi devidamente corrigido. A data é 1875.

SILVIO CAMPOS 27 de setembro de 2015, 21:41h - 21:41

MEU CARO AURELIO MAIS UMA VEZ ARREBENTANDO COM HISTORIAS DA NOSSA REGIAO VALEU MEU CARO ESTOU APREENDENDO MUITO COM VC, OBRIGADO E NAO PARE SUAS REPORTAGENS ESTAO OTIMAS.
SILVIO CAMPOS
SINDICATO DOS METALURGICOS

Ton 27 de setembro de 2015, 14:56h - 14:56

Ótima iniciativa da Maria Clara Machado.
Conheço mulheres que têm o mesmo nome em homenagem à Eufrásia, não só em Vassouras.
A história dessa Senhora é do conhecimento dos cidadãos de Vassouras mas, desconhecida pelo Brasil.
Ótima iniciativa da Maria Clara Machado.

O momento é de reconhecimento e de valorização das mulheres.
O povo brasileiro está investindo nas mulheres.
Ouço frequentemente que as mulheres são mais honestas. Que Deus nos ilumine e nos abençoe.

BM VR 28 de setembro de 2015, 10:18h - 10:18

Maria Clara Machado?? Só se o livro for psicografado… kkkkkkk

Al Fatah 28 de setembro de 2015, 14:45h - 14:45

A honestidade não tem sexo, isso todos podemos ver, não só na presidência como também nos governos de estados e municípios…

Al Fatah 27 de setembro de 2015, 12:03h - 12:03

Mais uma história de bastidor muito bem contada e que certamente renderia um bom romance. Não basta ter existido a história, tem que saber conta-la, e nisso Aurélio Paiva tem se revelado surpreendentemente bom… Outra grande mulher que viveu em nossa região foi Mariana Claudina Pereira de Carvalho, a Condessa do Rio Novo, grande benfeitora de Paraíba do Sul e Três Rios, onde distribuiu terras e garantiu, por testamento, recursos para a manutenção da Santa Casa local…

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