Os bondes estão de volta. Não no formato antigo, que só sobreviveu em Santa Tereza. Eles ressuscitaram na forma moderna, futurista, do VLT, ou Veículo Leve sobre Trilhos. Ecológico e eficiente esse meio de transporte nunca deixou de ser usado nas principais metrópoles da Europa. O bonde, assim como seu sucessor, o VLT, é movido à eletricidade, não polui o ambiente, é seguro e confortável. Coisa que não se pode afirmar em relação a maior parte da frota de ônibus urbanos do Rio de Janeiro.
Este que vos escreve tem idade suficiente para ter andado nos bondes antigos, aqueles que acabaram aí por volta da década de 1960. Os carros de madeira eram abertos dos lados, o que era ótimo nos dias quentes do verão, mas péssimo no inverno. O trocador andava pelo lado de fora, no chamado estribo e as composições, de dois vagões, aceleravam e paravam muito suavemente. Não tinha essas arrancadas e paradas bruscas dos ônibus que deixam os idosos com dores nas costas.
Nas laterais do teto dos vagões havia umas propagandas de produtos típicos daquela época. Como o “rum creosotado” que incluía os versinhos: “Olhe ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que se encontra ao seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o rum creosotado”. Tinha um outro remédio caseiro com a figura de um pescador carregando nas costas um enorme bacalhau. Era a emulsão de Scott que eu confesso que não lembro para o que servia. A memória é meio falha. Eu teria que viajar no tempo para conferir tudo isso.
O fim dos bondes foi decretado durante o regime militar. Diziam que era obsoleto e atravancava as ruas das cidades. No Rio de Janeiro o único bairro onde o bonde sobreviveu foi em Santa Tereza. Onde virou atração turística, como aconteceu com os bondes de San Francisco, nos Estados Unidos. Circularam durante décadas com apenas um acidente grave, provocado pela falta de manutenção adequada.
No desenho
No desenho animado “Rio” as araras sobem Santa Tereza no teto do bondinho, debaixo de uma chuva de flores. Ainda bem, já que durante muito tempo choveu balas naquele bairro. Tenho uma amiga que mora lá e ainda guarda, de recordação, os projéteis que caíram no quintal da casa dela. Na vida real foi preciso esperar o século XXI e uma Olimpíada para vermos o bonde circulando de novo pelo Rio de Janeiro.
Não foi um retorno tranquilo e sem incidentes. Logo nas primeiras semanas de operação um VLT foi atingido por um ônibus no cruzamento das avenidas Beira-Mar e Antônio Carlos, no Flamengo. Foi o velho, poluidor e desconfortável ônibus tentando barrar a passagem do futuro. Aquela cabine envidraçada do VLT ficou toda em pedaços, mas ninguém se feriu. É uma vantagem de um veículo que se desloca a baixa velocidade. No máximo o VLT atinge 50 quilômetros horários, mas devido a necessidade de parar o tempo todo a velocidade média não fica acima dos 15 quilômetros horários.
Na estreia do “novo” meio de transporte os passageiros viajaram de graça durante semanas devido a um problema com as catracas de cobrança. Foi a realização do sonho do passe livre que tanta confusão provocou em 2014. Ao contrário do bonde, o VLT é fechado e ninguém fica exposto a chuva ou ao vento frio. Andar de VLT é como estar, finalmente, naquele futuro tantas vezes anunciado e adiado.
Por conta da Olimpíada o metrô também ganhou uma extensão. Sempre que vou ao Rio de Janeiro prefiro o metrô nos meus deslocamentos. Não tem sinais de trânsito, nem engarrafamentos e só fica lotado no início da manhã e no final da tarde. Sem falar que em uma cidade onde as balas voam para todo o lado dá uma sensação de segurança enorme poder viajar pelo subsolo.
JORGE LUIZ CALIFE | [email protected]
3 comments
O “Emulsão” é óleo de fígado de bacalhau…horrível!
Não demora o povo arruma um apelido para ele…
É um sistema de transporte bom para deslocamento em áreas lindeiras, dentro do centro das cidades, porém não supre o ônibus a contento em trajetos médios e “porta a porta”…
Já tem apelido… VLT – Veículo de Levar Turista
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