“Viver é aprender a morrer”. Sêneca
Mesmo que se tente dizer o contrário, não se pode negar que o fim começa no início, a partir do nosso nascimento quando a ampulheta da vida começa a contar o seu tempo, é quando a fina camada de areia começa a correr pelo vidro translúcido e pouco a pouco vai mudando de lado, caindo, até chegar a parte de baixo do curioso objeto simétrico.
A vida é isso, um átimo de segundo que rapidamente como a areia troca de lado e dá o seu veredito, determinando sem permitir questionamentos do fim de tudo.
Não há a menor dúvida, é sabido que todos os seres vivos são finitos e sendo assim, morrerão, terão em um determinado momento da vida o seu inevitável término existencial.
Isso por mais óbvio que seja para nós, na maioria das vezes é algo distante ou ação da qual buscamos nos distanciar quase que por completo, porque pensar em morte é algo no mínimo sem propósito. Costumamos percebê-la longe, na vida e na casa do outro, nunca na nossa e quando acontece próximo a nós, somos muitas vezes tomados pelo susto e medo.
As minhas palavras têm o propósito de promover a reflexão sobre a existência e o sentido da vida, a busca por tantas respostas acerca da nossa presença na Terra e o que isso importa para o outro e, sobretudo, para nós.
Existe para muitos através do imaginário a visão que relaciona a morte à escuridão, o caos, ao monstruoso e por fim o frenético desejo de se encontrar uma luz ao final da caminhada. Mas que caminhada seria essa?
Antes de tudo é bom que se entenda que tudo segue uma ordem natural, biológica e científica. Todos os seres vivos nascem, crescem se reproduzem e morrem. Um ciclo inevitável do qual todos fazem parte e não existe nada que mude isso até então. Morrer, por mais que não queiramos acreditar, é uma ordem natural.
Veja que não existe nenhuma experiência humana que possa ser de alguma maneira comparada à morte. Ela é singular e só quem sabe como ela se processa é quem de verdade a vivencia, não existe nada capaz de simulá-la. Por mais que se tente jamais conseguiremos viver esta experiência para no minuto seguinte retratá-la na íntegra.
“O Efeito Lázaro”, que se refere à passagem bíblica que conta que Jesus ressuscitou Lázaro quatro dias após a sua morte, é algo único, nada igual foi percebido após este fato que faz parte da história da humanidade. Existe sim, infindos casos de “mortes” decorrentes de paradas cardíacas que o paciente chega a ficar até 45 minutos e em alguns casos horas em um estado de total hibernação, voltando a sua realidade após um tempo e levando uma vida normal, muitas vezes sem a menor consciência acerca desse tempo em que ficou “morto”. Ou ainda a catalepsia que é um distúrbio que impede o doente de se movimentar, apesar de continuarem funcionando os sentidos e as funções vitais e não uma morte de verdade. Algo na verdade muito mais ficcional e que pode ser visto em livros como O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, no livro Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo, ou ainda Odorico Paraguaçu em O Bem Amado, de Dias Gomes. No passado muitos foram dados como mortos devido a esta doença, hoje isso é impossível devido aos enormes recursos da medicina.
Existência
Mas quando se fala em morte, o que assusta é a ideia da não existência a partir de um determinado momento, a total impotência diante de uma realidade que não se pode mudar.
Vivemos em uma sociedade totalmente centrada no egocentrismo, movimentada na maioria das vezes pela indiferença, uma autossuficiência assustadora e doentia. Competir e conquistar viraram palavras chave, senhas para um poder que não nos levará a lugar algum, mas sim a finitude do abandono, ao isolamento do corpo e da alma. Recriamos o ciclo da vida que colocar entre o nascer, crescer reproduzir e morrer, mais uma função, a de acumular.
Morremos porque somos vivos, porque como sistemas irreversíveis somos programados de alguma forma, biologicamente para a morte, um processo natural de troca ou substituição, onde outros nascerão e “ocuparão” o nosso lugar em um determinado espaço.
Portanto, se a morte abriga em si o mito do fim, mito este que onde não há como racionalizar, sabemos que ela é o pensamento impossível, porque não podemos pensar a representação do “nada”.
Diante da concreta e inevitável constatação que a vida mais do que esta crônica nos ensina, viver ainda é a forma mais perfeita de prepararmos a boa morte, de nos descentralizarmos, abrirmos o leque das opções e os braços para as ações e partirmos para o bom combate. Saiba que a vida é para ser vivida na sua amplidão, pois existir por existir é algo quase sem sentido, é como estar morto em vida. Acredito plenamente que viver feliz é sinônimo de ser útil, é algo que certamente ajudará a nos fazer morrer feliz, porque se a morte é inevitável, encontrar com ela tem que ser motivo de força e fé, jamais de uma postura fatalista. Saber que no minuto seguinte podemos estar mortos, é um suporte psicológico para sempre nos lembrarmos de ter uma vida feliz, pois ao final temos que ter o sentimento de que estamos em paz com a nossa consciência e que partir mais que um definitivo fim, é um reencontro com algo maior do que tudo que vivemos até aqui.
ARTUR RODRIGUES | [email protected]
1 Comentário
Ótimo texto! Me fez lembrar a magnífica obra do médico, psicólogo, historiador e jurista Norbert Elias, “A Solidão dos Moribundos”, onde a tese central é exatamente a necessidade de darmos sentido maior à existência, uma vez que a morte vem pra todos; no entanto, para o autor, a sociedade nos fins do século XX procurava cada vez mais mascarar a morte (inclusive enterrando seus mortos em cemitérios que não se parecem com cemitérios) e criar “fantasias acalentadoras” (acúmulo de bens; desafios radicais que expõe a vida ao risco, etc.), que apenas nos desviam do destino certo da “finitude”. Se soubéssemos que amanhã seria nosso último dia, perderíamos tempo em sermos grossos com nossos pais ou amigos? Deixaríamos de dizer “eu te amo” pra quem merece? Nos preocuparíamos em “erguermos fundos que nos dão a garantia, que morreremos cheios de uma vida tão vazia – Humberto Gessinger”
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