Gênero e a individualidade

by Paulo Moreira

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A questão da chamada “Ideologia de gênero” sempre levanta polêmica, mas é preciso distinguir alguns pontos que podem ajudar as pessoas de ambos os lados a chegarem mais perto de um entendimento.

O que é ‘de lei’

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…” (artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil)

A lei que se sobrepõe a todas as outras no Brasil determina que todos são iguais. Portanto, é dever do sistema educacional ensinar esse princípio.

Quando alguns setores da sociedade tentam transformar determinados grupos em “cidadãos de segunda classe”, é essa lei, a lei maior, que eles estão ferindo.

Nesse sentido, o sistema educacional tem, sim, o direito de ensinar a seus alunos que todas as pessoas são iguais e têm direitos fundamentais, não interessando diferenças de gênero, raça, situação econômica, religião ou ideologia política.

O momento

Assim, os estudantes precisam aprender que existe uma coisa chamada atração sexual, que há meninos que se sentem atraídos por meninas e outros que sentem atraídos por meninos, assim como há meninas que preferem meninos e outras que preferem meninas, e assim sucessivamente. E mais: precisam aprender que ninguém é melhor ou pior do que ninguém por causa de sentir atração por pessoas de outro sexo, do mesmo sexo ou dos dois sexos.

A partir de quando essa informação deve ser passada? Aos três, cinco, oito ou quinze anos? Isso cabe aos especialistas e interessados no assunto – pais, pedagogos, psicólogos e professores – discutir. Com base nos resultados dessa discussão, cabe aos parlamentares criar a lei que melhor atenda a essa necessidade.

A problema é que, de um lado, um grupo quer forçar que as questões ligadas a gênero e sexualidade sejam abordadas desde o início da vida escolar. Outro grupo quer que elas sejam banidas do currículo. Talvez haja, entre essas duas posições extremas, um meio-termo que solucione a questão.

Preferência não é crime; discriminação é

Eu tenho todo o direito de gostar mais de pessoas com determinadas características que de outras. Qualquer um que já tenha namorado ou paquerado passou por isso. Você tem um ou mais tipos físicos preferidos e provavelmente existem tipos físicos que não o agradam.

Acontece que a preferência termina junto com o espaço que delimita sua vida particular.

Você tem todo o direito de escolher quem pode ser parte de seu círculo de amizades ou de namoros, independente dos critérios que use, mas não pode se basear nessa preferência em questões que envolvem o coletivo.

Por exemplo, um dono de restaurante tem todo o direito de não gostar de gays, mas não pode impedir que um gay almoce ou trabalhe em seu estabelecimento.

Um texto que circula pelas redes sociais define isso muito bem: “se você é contra o casamento gay, não se case com um gay”.

Fora isso, você não é obrigado a cumprimentar o casal gay que mora ao lado, mas não pode impedir que eles morem ali, nem tentar fazer da vida deles um inferno para que se mudem.

A individualidade

De forma geral, as sociedades democráticas dão grande valor à individualidade. O princípio básico é que somos livres para fazer qualquer coisa que não prejudique a outros.

Só que princípios básicos são extremamente sujeitos à interpretação: por exemplo, alguém pode se sentir ofendido por demonstrações exageradas de carinho em público – e não importa se por parte de casais gays ou hetero.

Mas até que ponto vai a individualidade de quem se sente ofendido e a de quem demonstra carinho em público?

Mais uma vez, a lei é quem deve traçar esses limites. E ela traça. Basta cumpri-la.

E se mexerem comigo?

Ora, como age então uma mulher lésbica ao ser abordada por um homem com intenções sexuais, ou um homem gay ao ser paquerado por uma mulher? Dizendo “não tenho interesse sexual por você”, ou simplesmente “não” a quem está fazendo a abordagem. Precisa dizer o motivo? Não. E quem é rejeitado tem que respeitar a decisão.

Da mesma forma, um homem ou mulher hetero, ao serem abordados por homossexuais que estejam interessados neles, têm o direito de dizer que não se interessam sexualmente por aquelas pessoas, e cabe a quem abordou respeitar essa decisão.

O problema, aqui, não é tanto de preconceito ligado ao gênero quanto de pessoas que têm um ego inflado e não aceitam “não” como resposta a suas investidas sexuais, seja qual for o motivo.

Por outro lado, sentir-se agredido porque alguém demonstrou interesse sexual em você é um tanto exagerado, desde que essa demonstração tenha sido feita de uma forma civilizada. E, novamente, fica aberto à interpretação o que é ou não civilizado.

O que se pode dizer, porém, é que entre pessoas com um mínimo de noção do que seja educação, no sentido de normas de convivência social, uma abordagem não correspondida pode ser resolvida com um simples “não”, independente do gênero dos envolvidos.

A religião

Algumas religiões consideram o homossexualismo um pecado. Então, os praticantes dessas religiões têm direito de ensinar isso a seus filhos? Claro!

Mas a lei não permite que o fato de considerar o homossexualismo um pecado sirva de desculpa para agressões ou preconceito. Então, pecadores ou não, os gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros têm o direito de existirem e viverem como quiserem, sem serem agredidos ou incomodados de qualquer forma.

Afinal, a lei, no nosso país, pune crimes, não pecados.

Apologia?

Um dos argumentos dos que são contra o ensino da chamada “ideologia de gênero” é que ela poderia servir de desculpa para que um professor ou professora LGBT fizesse apologia das práticas homossexuais. Existe esse risco?

Sim, existe, tanto quanto existe o risco de que um professor religioso ou militante político afirme a seus alunos, por exemplo, que a religião ou a ideologia que ele pratica é melhor do que as outras.

Em qualquer dos casos, o professor terá ultrapassado os limites éticos de sua profissão. Trata-se de um desvio de comportamento que pode e deve ser punido, mas seguramente a maioria dos professores não cometerá esse erro.

Por exemplo, não dá pra proibir o ensino de História em todas as escolas por causa de um professor desajustado que decidisse ensinar que o nazismo era uma coisa boa e Hitler, um mártir. Não se pode achar que toda uma categoria profissional terá um comportamento antiético.

 

 

PAULO MOREIRA | [email protected]

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12 comments

Antonio 19 de maio de 2017, 07:53h - 07:53

Nunca vi alguém que defenda a família tradicional como foi criada por Deus, agredir alguém por pensar diferente. Isso é forçar a barra para justificar a inteçao de acabar com o conçeito de família . A violência , a corrupção e a falta de amor são consequências dessa destruição da família . Em Volta Redonda, precisamos apoiar as boas intenções como a do Ver. Conrado para nos defendermos.

Macunaíma 16 de maio de 2017, 09:55h - 09:55

A ideia é que a escola ensine o que é certo e o que é errado: ensinar que preconceito e suas derivações comuns – a discriminação , homofobia, racismo – são atitudes erradas (e, dependendo das circunstâncias, crime previsto em lei).
Isso de “família ensinar o que é certo e o que é errado” é uma noção frágil. Os pais podem insistir, “ensinar”, castigar o quanto puderem os filhos. Se o(a) filho(a) for homossexual, terá sido um esforço em vão. O máximo que podem conseguir é um sentimento de frustração e transformar o filho num(a) homossexual enrustido(a) e potencialmente frustrado(a) e infeliz.

Família tradicional 16 de maio de 2017, 10:51h - 10:51

Com pensamentos iguais ao seu é que estamos vendo a destruição dos valores morais, em escolas particulares não tem esse papo de ideologia de gênero, lá os alunos estudam matemática, português, física, educação moral e cívica e não religião, sexo e como doutrinar filhos dos outros com isso ou aquilo, por isso quando se tem concursos para entrarem em faculdades públicas esses alunos passam e abocanham as vagas, ficando com os alunos de escolas públicas somente vagas por cotas, pois o estado não tem interesse em que alunos tenham educação digna, pois sabem que somente a educação pode mudar o país, e o interessante para o estado é falar de sexo, liberdades sexuais e doutrinar na cartilha da minoria. Acorda Brasil!!!!!

Pedro Paulo 16 de maio de 2017, 15:09h - 15:09

Macunaíma,

Discordo! A escola jamais deverá substituir os pais. pobre dos pais que deixa a formação do caráter de seus filhos nas mãos da escola! Você está certo numa coisa: as crianças não devem achar normal homofobia, discriminação etc. Mas se tiver uma família que a ame, jamais aprenderá isso. A discussão é exatamente esta! Este tipo de ensinamento cabe aos pais e não à escola!

Jhoni.n.m 16 de maio de 2017, 00:51h - 00:51

#JairBolsonaro2018

Família tradicional 15 de maio de 2017, 21:37h - 21:37

Tenho esperança que o projeto escola sem partido passe no congresso, pois os professores tem o dever de ensinar, matemática, português, física e não religião, sexo ou como doutrinar filho dos outros, isso cabe a família, agora esse papinho que crianças tem que experimentar pra depois escolher com quem ficar, meu Deus, e ainda tem pessoas que aprovam esses ensinamentos, isso com certeza é a porta escancarada para a pedofilia, é a minoria querendo pregar que suas vidas libertinosas, são exemplos e condutas a se seguirem. Professor tem que saber seus deveres e seus direitos. Só lembrando, a família foi criada antes do estado, então, respeitem as famílias.

Maniac 15 de maio de 2017, 16:53h - 16:53

Toda essa discussão é muito interessante para quem tem duas ideias e preferências já amadurecidas e deve aprender a conviver e respeitar a diversidade que se mostra hoje em dia, todavia as crianças precisam de ser educadas e indubitavelmente os valores da família a qual pertencem tem que ser respeitados acima de qualquer lei social ou modismo. Deixem as famílias educar seus filhos; no momento certo eles terão espaço para fazer as suas escolhas, cada um a seu tempo. Cabe a escola e a sociedade reprimirem comportamentos agressivos e preconceituosos voltados aos bissexuais e homossexuais, fato absolutamente reprovável.

Pedro Paulo 15 de maio de 2017, 15:59h - 15:59

Não há como individualizar leis.
E sobre respeito à individualidades, que respeitem o direito de que os pais escolham o que deve ou não ser ensinado e/ou informado a seus filhos.
Quando eles forem indivíduos formados, que façam suas escolhas individuais. Mesmo que seja achar que o Nazismo foi uma coisa boa….
O seu artigo é bom, mas somente para aqueles que comungam da sua ideia. Sou contrário e não deveria haver qualquer polêmica nisso.

Maniac 15 de maio de 2017, 16:55h - 16:55

Concordo com sua colocação… afinal temos o direito de ensinar nossos filhos aquilo que julgamos o correto!

VAI VENDO 16 de maio de 2017, 21:35h - 21:35

Maniac

eu não sei onde estava com o pensamento que não intervi na hora em que uma senhora deu um pescoção num moleque, talvez neto dela, num parque. E foi na frente de um casal que imagino seja filha ou filho dela.

A senhora julgou correto o ensinamento ao moleque agredindo-o para obedecer. Não podemos achar esse ensinamento correto, por isso a necessidade da ECA.

Zé da Roça 15 de maio de 2017, 11:04h - 11:04

Excelente artigo! O Paulo Moreira foi muito sensato e inteligente ao abordar o assunto de forma direta e imparcial. Acho que o texto se resume nessa frase: “O princípio básico é que somos livres para fazer qualquer coisa que não prejudique a outros”.

Al Fatah, o Horrendo 17 de maio de 2017, 14:24h - 14:24

Aí é que reside a grande questão universal, quase que razão matemática, nobre Barramansense… O tamanho de meu individualismo é inversamente proporcional ao tamanho de meu senso coletivo. Quanto maior um, menor o outro, na medida de suas proporções…

No final das contas, a lei da selva é a que predomina…

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