No próximo mês de agosto vai completar 60 anos da primeira viagem submarina ao polo norte. Hoje em dia parece algo banal, mas até o dia 3 de agosto de 1958 uma viagem sob a banquisa de gelo do Ártico era coisa de ficção científica. O único submarino que se atrevera a navegar sob o gelo polar fora o Nautillus, do Júlio Verne, no romance de ficção “Vinte Mil Léguas Submarinas” escrito em 1870. Quando a Marinha dos Estados Unidos iniciou o projeto do primeiro submarino atômico da história, em 1947, os almirantes perceberam que ele teria uma autonomia semelhante a da nave da ficção. E batizaram o SSN-571 com o mesmo nome da nave de Julio Verne, “Nautillus”.
Antes da propulsão atômica os submarinos só podiam ficar submersos por curtos períodos de tempo. Depois de algumas horas precisavam vir a tona para renovar o ar. O oceano ártico, coberto por camadas de gelo de dezenas de metros de espessura, era uma armadilha mortal. A propulsão atômica acabou com essa limitação. O reator nuclear permitia autonomia ilimitada e o submarino podia ficar semanas submerso. E a “Operação Sunshine” começou a ser elaborada pelo Pentágono.
Para americanos e russos o oceano ártico era uma região estratégica. O caminho mais curto entre a União Soviética e a América do Norte. Se os submarinos do futuro pudessem se esconder sob a banquisa de gelo ficariam invulneráveis e indetectáveis. Só que ninguém tinha navegado sob o gelo e a missão era cheia de perigos e incógnitas. O Nautillus americano fez uma primeira viagem de reconhecimento em junho de 1958. Encontrou blocos de gelo flutuantes muito espessos sobre um mar muito raso. Correndo o risco de ficar entalado entre o gelo e o fundo do oceano o submarino retornou para sua base em Pearl Harbour, no Havaí.
Dois meses depois o comandante, capitão William R. Anderson decidiu tentar de novo. Era o auge do verão no Ártico e as camadas de gelo estavam mais finas e menos perigosas.
A história toda da viagem, do Havaí até a Inglaterra, foi narrada pelo capitão Anderson no livro “90 graus norte”. Navegando sob o gelo a tripulação do Nautillus desfrutou de um conforto inimaginável nos submarinos anteriores. Os submarinos convencionais são embarcações pequenas e muito apertadas. O tamanho do reator nuclear exigiu que os projetistas do Nautillus criassem um barco com dois conveses, ligados por uma escadaria. A tripulação tinha refeições da melhor qualidade e podia assistir a filmes durante a viagem. Mas apesar do conforto ficaram isolados do mundo durante as 96 horas da travessia. Quando chegaram na ilha de Portland, no canal Inglês, foram recebidos como heróis. Um helicóptero levou o comandante para receber uma medalha do presidente Eisenhower.
Para os americanos era uma grande façanha, em uma época em que os soviéticos assombravam o mundo com seus Sputniks. Quando o Nautillus chegou no porto de Nova Iorque foi saudado com sirenes e jatos de água. Eu tinha sete anos na época, e meu pai me deu de presente uma versão de brinquedo do submarino atômico. Feita pela japonesa Marusan, tinha um mecanismo de corda e podia navegar na banheira ou na piscina. Mas não resistiu a ferrugem e acabou indo para a lata de lixo. Hoje um brinquedo desses vale mais de 300 dólares na eBay.
O Nautillus real teve uma sorte melhor. Quando foi desativado, em março de 1980, foi transformado em navio museu. E está até hoje em exposição em Groton, Connecticut.
Em 1958 os engenheiros navais chegaram a sonhar com submarinos petroleiros, carregando óleo por sobre o gelo polar numa rota mais curta entre a costa leste e oeste da América. Felizmente desistiram da ideia. Um acidente com um submarino petroleiro teria sido uma catástrofe ecológica gigantesca.
JORGE LUIZ CALIFE | [email protected]
5 comments
Muito interessante. Aqui mas colunas do Calife encontramos coisas que não encontramos em qualquer lugar, nem mesmo nos grandes jornais da capital. Parabéns!
Muito boa crônica! E em temáticas como essa que Calife revela seu talento… Inclusive tem gente que pensa que urso polar é simpátrico com o pinguim e que o Pólo Norte fica num continente gelado, como a Antártida…
Fantástico! Quase 60 anos depois (e contando!) será que o submarino nuclear barzuca vai navegar pelos nossos mares?
Vai. Amanhã já deve estar pronto, no mais tardar, sexta feira.
Parabens pela reportagem
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