Na pele e na raça

by Paulo Moreira

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Existem muitas formas de preconceito, mas o racial, e mais especificamente o preconceito contra negros, consegue ser ainda mais odioso porque se baseia nas justificativas que foram inventadas para a escravidão. Dizia-se, por exemplo, que os negros não possuíam alma, por isso podiam ser escravizados. Também se dizia que os negros eram preguiçosos, por isso era aceitável açoitá-los para que eles trabalhassem.

Em mais de três séculos de escravidão – dos anos 1500 ao fim dos anos 1800 – o ódio ou o desprezo contra os negros foi se infiltrando na mente coletiva da sociedade brasileira.

A mulata sexy e o negro potente

O detalhe é que, além de explorarem o trabalho dos negros, os colonizadores portugueses também exploravam sexualmente as negras.  (Por exemplo, entre as etnias africanas escravizadas no Brasil estavam os bantos ou bundos, que tinham as nádegas maiores que as outras raças. Se você deduziu que a palavra “bunda” se referia primeiro à mulher desse povo e depois passou a significar nádegas, acertou.)

Pois bem: com tanto sinhozinho se aventurando pelas senzalas, não demoraram a surgir os mestiços e hoje praticamente todas as famílias brasileiras têm algum DNA negro.

Mas essa realidade, em vez de tornar nosso racismo mais suave, o amplificou: a mitificação da negra e da mulata como ícones de sensualidade, e dos negros e mulatos como exemplo de potência sexual não deixam de “coisificar” essas pessoas, transformando-as em brinquedos.

Hoje, esse estereótipo continua presente em músicas (você é um negão/de tirar o chapéu…), na literatura (Gabriela, cravo e canela) e no imaginário popular, mas, embora os gostos pessoais possam variar, negros e mestiços não mais ou menos sensuais do que qualquer outra raça.

O negro marginal

Pense numa favela. Agora pense em pessoas andando pela favela. Agora pense nos bandidos que dominam essa favela. Se essa imagem mental que você fez não incluiu uma maioria de negros ou mestiços, você é um hipócrita. Isso porque a maior parte dos moradores de favelas são realmente negros ou mestiços. Portanto, negros ou mestiços também são maioria entre as quadrilhas que dominam esses lugares.

A razão para isso? Quando a escravidão foi abolida, em 1888, não foi implementado nenhum projeto para incluir os escravos recém-libertados na sociedade produtiva. Aliás, no Brasil do fim do século XIX não haveria mesmo como “incluir” uma imensa população de ex-escravos na economia, a não ser como trabalhadores rurais, o que eles já eram quando escravos.

Nas cidades, a situação foi pior. Os ex-escravos da própria cidade não queriam viver mais com seus antigos donos. Por isso, foram procurar lugares vazios onde pudessem se estabelecer. Um desses lugares foi o Morro da Favela, no Rio, que deu origem à palavra.

A esses ex-escravos urbanos juntou-se um grande contingente de ex-escravos rurais que migraram para os ambientes urbanos na esperança (quase sempre vã) de encontrar melhores oportunidades de trabalho.

Resultado: as favelas, onde vivia a maior parte dos negros, se tornaram lugar onde a atividade marginal era mais ampla.

No entanto, apenas uma parcela mínima dos moradores de comunidades e dos negros e mestiços se tornou realmente bandido. Aqui entre nós, se todos os socialmente marginalizados no Brasil decidissem ser criminosos, ia faltar vítima.

Então, da próxima vez que você vir um negro ou mestiço à noite, num lugar pouco frequentado, lembre-se de que há mais ou menos 99% de chances de se tratar de uma pessoa honesta.

Exemplo: Nelson Mandela governou um dos países onde o preconceito racial era mais arraigado e conseguiu unir o povo (Foto: Reprodução internet)

Exemplo: Nelson Mandela governou um dos países onde o preconceito racial era mais arraigado e conseguiu unir o povo (Foto: Reprodução internet)

Coisa de gente burra

A palavra preconceito significa conceito formado antecipadamente. É o caso do sujeito(a) que não gosta de alguém por pertencer a determinada raça, religião, nacionalidade, classe social, orientação política, gênero… enfim, há preconceito para todos os gostos ou desgostos.  O detalhe é que o preconceito já mostra que a pessoa que reage negativamente está fazendo isso sem pensar. Desgosta-se do outro não porque ele seja chato, desonesto ou qualquer outra coisa ruim, mas porque ele faz parte de um grupo diferente.

E mais: como as chances de qualquer brasileiro não ter nem um pouquinho de DNA africano são quase nulas, são enormes as possibilidades de que os racistas estejam discriminando a si mesmos.

Pra não dizer que não falei da Day

Claro que não se pode falar de preconceito racial sem falar na figura que despejou bobagem nas redes sociais, ganhou um processo judicial e depois teria postado um texto pedindo desculpas. No entanto, o cúmulo do absurdo é que se trata de uma pessoa mestiça! Basta olhar para as fotos dela.

Pior ainda foi o comportamento de alguns militantes políticos que trocaram memes (incluindo fotos grosseiramente alteradas) para dizer que a tal figura seria de direita ou de esquerda. Sinceramente, já deu, né? Até porque, seja qual for a orientação política dela, isso não quer dizer que as outras pessoas de mesma ideologia são imbecis como a Day.

 

 

 

PAULO MOREIRA | [email protected]

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19 comments

Geninha 10 de dezembro de 2017, 01:46h - 01:46

As vezes fico pensando. Será que esses discursos bonitos são postos em prática no cotidiano? Será q esses, tratam bem os mais humildes? Será q tratam, sem desdém, um morador de rua? Será q tratam os trabalhadores, como uma postagem diz, subalternos, c urbanidade.? Será q são cordiais quando uma pessoa, c vestimentas rotas, se aproxima dela? Será q ela chama o vigilante do banco de guardinha? Será q enxergam, na rua, os trablhadores da limpeza urbana? Será q aceitam o namoro, do filho ou da filha, c alguém q more em comunidade? Então, se algumas dessas perguntas forem positivas, o preconceito está enraizado em todos, o resto é falácia.

XIMBICA 7 de dezembro de 2017, 04:37h - 04:37

Vou deixar aqui trecho de um samba enredo da GRES Estação Primeira da Mangueira para reflexão:

“livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela”….

pedagogo 6 de dezembro de 2017, 23:34h - 23:34

Preconceito existe em várias esferas sim, contra negros, gordos, baixos, altos, de orelhas grandes etc. Mas o negro sofre tres vezes esse preconceito: socialmente, historicamente e financeiramente. Os negros como disse bem o autor são os que mais compoem os presídios e favelas devido à vergonha era da escravidão humana que atingiu essa etnia no mundo inteiro. E as sequelas disso tudo, não se vendo a abolição como salvação, apenas como uma forma diferente de excluir o negro, ficou a terrível situação financeira: o negro ganha menos, trabalha mais e tem menos espaço, inclusive em paises como EUA em que se precisou de um boicote no Oscar para dizer ao mundo a exclusão dos negros. No Brasil não é diferente, a mulata da favela é a rainha do carnaval, paga sua fantasia e poucas se formam como médicas, engenheiras etc. Brilham uma vez por ano, pois assumem depois profissões dignas, mas vergonhosamente mal remuneradas como babás, domésticas, vendedoras etc. Então, para todos é difícil sim, mas para o negro é bem pior…….
Agora, essa tão de DAY que merecia ser chamada de DOY……..acho que muitos já falaram tudo, até mesmo os artistas que defenderam e muito bem o casal e a pequena. DOY ouvir que um ser humano, mesmo que fosse a loira mais linda da passarela, que não é o caso, pelo contrário, como foi dito muito bem, ficam os traços mestiços dela, é infelizmente uma pessoa deformada não somente na aparencia, mas também na alma, no caráter. Uma pessoa pobre de espírito em que qualquer e todo negro de uma favela paupérrimo tem muito mais grandeza e riqueza do que ela. Tanta pose para ser achincalhada assim. Bem, lady Doy, que me desculpe as palavras: mas todos nossos negros brasileiros merecem respeito e voce realmente nem vale a pena dizer muito, já deu mesmo

Tacla Durán 5 de dezembro de 2017, 08:35h - 08:35

Algumas expressões servem para exemplificar como é intenso, complexo e amplo o racismo no país:

“Da cor do pecado” (parece que foi nome de novela).
“Negro de alma branca” (Ana Maria Braga “cumprimentando” um auxiliar de palco por seu aniversário)
“Cabelo ruim”
“Sabe o Fulano, aquele bem moreninho?” (atenuação semiconsciente ao se designar um mestiço).
“O negro é o maior racista” (cinismo)
“Na África os próprios africanos escravizavam seus ‘irmãos’ negros” (que falta faz aprender História)
“Tudo é racismo agora, chega de mimimi e de politicamente correto” (cinismo master)
“Precisamos do Dia da Consciência Humana” (esse tem que voltar pro colégio rápido).

guto 5 de dezembro de 2017, 11:47h - 11:47

O pior racismo que existe foi exposto na televisão quando um jornalista disse que Heraldo Pereira é ‘negro de alma branca’…

الفتح - الوغد 5 de dezembro de 2017, 21:09h - 21:09

Não vejo onde está o cinismo em dizer que tudo é racismo e tudo de ruim que acontece com o negro é em virtude de sua cor… O mesmo vale para outros tipos de “ismos” e “istas”, que aliás viraram armas francas, tanto para defender quanto para atacar, no meio dessa porralouquice politicamente correta…

Tacla Durán 5 de dezembro de 2017, 23:15h - 23:15

É. Não existe racismo no Brasil. Valeu, capitão-do-mato caucasiano politicamente incorreto.

Tião Macalé 4 de dezembro de 2017, 23:19h - 23:19

Muito bom esse artigo. Infelizmente ainda iremos conviver com esse absurdo durante longo tempo ainda. Meu filho e sua esposa não puderam ter filhos e adotaram uma linda menina negra. Estava eu passeando com ela em um Shopping no Rio, e ela brincava comigo toda feliz e sorridente. Sentamos em uma mesa e estávamos saboreando um sorvete, quando fomos interpelados por um segurança que se dirigiu a mim perguntando ” Essa morena está perturbando o senhor doutor ? Minha reação foi na hora, procurando a Administração do Shopping e registrando uma queixa. Fui informado que deveria ir a uma delegacia, que eles não deram essa orientação.É MUITO TRISTE isso, e tenho certeza que minha neta vai sofrer muito ainda.

Só Caminha 4 de dezembro de 2017, 15:12h - 15:12

O brasileiro médio acredita que é branco…

Geninha 9 de dezembro de 2017, 17:27h - 17:27

E daí, cada um acredita no que quiser.

Falei 4 de dezembro de 2017, 11:06h - 11:06

Racismo é um tipo de preconceito.
Mas há vários…
Se é gordo não rende, se é bonito é burro, se é nerd é chato, se é bom de bola é burro,se é deficiente é improdutivo.
Na Europa é menos pior, mas nós EUA é pior que aqui.
Pois nos EUA, assim como nas Américas as aparências é que contam.
Na Europa é mais o conteúdo , o conhecimento, o interior.

الفتح - الوغد 4 de dezembro de 2017, 18:33h - 18:33

Tu tens certeza disso que dizes, ó gajo! Achas mesmo que a Europa é o paraíso para o diferente?… Muitos milhares pensam igual, tentam a sorte e acabam se estrepando…

Valmir de Almeida 4 de dezembro de 2017, 10:23h - 10:23

Belíssimo texto, aliás, em se tratando do Paulo Moreira,isso não é novidade,só diria mais o seguinte? – Opinião é artigo barato e todo mundo a tem, sobre todos os assuntos e infelizmente no Brasil a historia é sempre contada sob o ponto de ista eurocêntrico, o que não falta é opiniões distorcidas, hipócritas sobre as relações étnicas, ou seja, to mundo se aventura a falar sobre o assunto sem jamais ter lido uma vírgula. Parabéns amigo

Freud 5 de dezembro de 2017, 11:54h - 11:54

E a recíproca me parece verdadeira. Não existem verdades absolutas.

guto 3 de dezembro de 2017, 19:47h - 19:47

Não há política pública para proteger o negro pobre e favelado… Em 2012, o risco relativo de um jovem negro ser vítima de homicídio era 2,6 maior do que o de um jovem branco, segundo os últimos dados disponíveis disponíveis pelo IPEA!
Os números de homicídios no Brasil tornam-se lancinantes quando se reportam à população negra. Assim, em 2015, em cada 100 pessoas que foram assassinadas no país, 71 eram negras, número em aumento desde 2005, ano inicial dos registros. Ou seja, há um aumento do assassinato de negros nos últimos doze anos e o governo federal não fez nada para que a situação fosse revertida!
Vamos ter que esperar Joaquim Barbosa se tornar presidente, para que não haja mais esse genocídio dos negros no Brasil?!

الفتح - الوغد 4 de dezembro de 2017, 18:30h - 18:30

Quem mata negros são outros negros… Negros estupram mulheres brancas numa taxa 13x maior que os homens brancos fazem com as negras (isso nos EUA)… A questão não é assim tão simples quanto vc pensa…

الفتح - الوغد 3 de dezembro de 2017, 14:38h - 14:38

O racismo brasileiro não se baseia no genótipo, mas sim no fenótipo, na aparência da pessoa. Quanto mais caracteres negróides, mais estereotipado. Por outro lado, se a pessoa dita negra tiver traços mais suaves e simétricos, o precoceito será relativizado. Isso só vai se desvanecer do imaginário popular após muitas gerações de avanço dos povos negros, assim como aconteceu com os asiáticos… A forma de se portar também conta. Um negro trajado elegantemente levantará menos suspeitas que um branco cheio de cordões, camisa aberta no peito e andar gingado de malandro…

Dida 9 de dezembro de 2017, 15:01h - 15:01

Quanta sandice meu Deus, basta ler os comentários desta figura para que se perceba que não passa de um mero racista incubado.

Andante Mosso 3 de dezembro de 2017, 12:22h - 12:22

Essa tal Day e aquele vereador negro do MBL-DEM, “Holiday”, de Sampa, sofrem da chamada “Síndrome de Capitão do Mato”, prima-irmã da brasileiríssima “Síndrome de Dona Florinda”: acreditam que, se endossarem o discurso do opressor, deixarão de ser oprimidos, passando a integrar a elite dominante.
Neymar recentemente veio com a seguinte pérola: “Eu não sofro preconceito racial porque eu não sou negro”.

O negro é maioria esmagadora na base da pirâmide socioeconomica, nos cargos subalternos e na população marginalizada; e quase exceções exaltadas (vide Joaquim Barbosa) nos cargos de comando, nos shopping de elite, nos papeis principais de novelas.
E ainda assim aqui é o país do “Basta o negro de esforçar que ele vence na vida igual ao branco”.

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