No tempo da Central do Brasil

by Diário do Vale

Saudade: O trem de prata com a locomotiva diesel

Essa greve dos caminhoneiros deixou este cronista com mais saudade dos trens que circulavam aqui na região, em Pinheiral até o leite chegava de trem, no “trem leiteiro” que passava às seis horas da manhã. Durante décadas a ferrovia serviu e nutriu as cidades do Vale do Paraíba e nunca nos deixou na mão, sem falar no conforto e na comodidade que era andar nos vários tipos de trens que circulavam por aqui, antes que acabassem com a Estrada de Ferro Central do Brasil durante os governos militares.
Na verdade as cidades da região cresceram em torno da ferrovia, que transportava de tudo, de gado a suprimentos básicos. Meu avô assinava o Correio da Manhã, um dos melhores jornais que já existiram nesse país – que também foi extinto pela ditadura militar, o jornal chegava de trem, vindo do Rio de Janeiro. Nas minhas férias a família pegava o “expressinho” na imponente estação Don Pedro II, cujo prédio continua lá no Rio de Janeiro, ao lado do Comando Militar do Leste. É uma construção imponente, que, guardadas as devidas proporções, sempre me lembrou a Grand Central Station de Nova York.
Meu pai comprava as passagens e embarcávamos às oito horas da manhã, nos vagões de madeira. A viagem era tranquila e muito bonita. Uma locomotiva elétrica Westinghouse, apelidada de “Escandalosa”, toda pintada de azul, puxava o trem até Barra do Piraí. Pra mim, quando criança, o momento mais emocionante era quando a composição passava pelo chamado “túnel 12”, no alto da serra, que tinha mais de um quilômetro de comprimento.
Na Barra, como dizíamos, tinha uma parada de uns vinte minutos para troca de locomotivas. A elétrica ia para as enormes oficinas e engatavam uma pequena máquina diesel elétrica, feita no Canadá, que por isso os maquinistas chamavam de “canadense”. Todas as locomotivas da Central tinham apelidos, uma delas se chamava “Biriba” em homenagem a um cachorro mascote do Botafogo Futebol Clube.
Aproveitávamos a parada para comprar queijo e outros produtos que eram vendidos na plataforma da estação. Assim que a canadense engatava retomávamos a viagem, chegando a Pinheiral por volta das onze horas da manhã. Tenho boas memorias das minhas férias em Pinheiral, depois daquela viagem de trem. A volta era no mesmo trem, que passava às 18 horas e chegava ao Rio às 21 horas. Uma hora a mais de viagem do que nos ônibus, mas o conforto era incomparável. Na década de 1970 os vagões de madeira foram aposentados e passamos a viajar no chamado “trem de aço”, depois “trem de prata”. Que usava uns vagões prateados fabricados pela empresa americana Budd.
Teve também a Litorina, uma automotriz de um carro só, que transportava executivos entre Rio e São Paulo. Era um trem mais luxuoso e só me lembro de ter viajado nele uma vez. Outro trem que deixou saudade foi o elétrico, que circulava entre Barra do Piraí e Resende. O percurso entre Pinheiral e Volta Redonda era feito em pouco mais de 15 minutos, e a passagem custava em torno de um real. Hoje, quatro décadas depois, os moradores de Pinheiral levam 45 minutos para chegar a Volta Redonda, pulando por cima de 33 quebra molas e a passagem custa mais de cinco reais.
O trem elétrico deixou de circular na década de 1980, os fios da eletrificação foram retirados e as subestações de força demolidas a marretadas. O Brasil tinha optado pelo modelo rodoviário, onde tudo é transportado em carretas a um custo muito maior. Dos 35 mil quilômetros de ferrovias, estamos reduzidos hoje a uns dez mil. Agora o governo vai gastar 9,5 bilhões de reais, só este ano, para subsidiar óleo diesel para caminhoneiros. A última notícia diz que vão tirar esse dinheiro do SUS, dos programas sociais e da segurança pública. Ainda bem que o povo apoia os caminhoneiros e este disposto a pagar a conta da greve. Que como eu escrevi aqui, na semana passada vai ser bem salgado.
Eu, de minha parte, continuo apoiando o trem elétrico.

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12 comments

Tiago Cabral 6 de junho de 2018, 14:57h - 14:57

Poxa, que texto lindo e triste ao mesmo tempo.

Tive a oportunidade de conhecer o Japão há menos de um mês, e lá a qualquer cidadezinha se chega de trem. Mas fazer essa comparação seria muito injustiça, infelizmente.

A gente pode se conformar em não ter, mas já ter tido e ter sido DEMOLIDO é revoltante.

Nosso Brasil e suas incongruências…

Filipe74 7 de junho de 2018, 16:47h - 16:47

Realmente o mais decepcionante é o país ter tido uma malha ferroviária de dar inveja a vários países mais desenvolvidos e por causa de política de estado errada optar por destruir e sucatear patrimônio público.

Fernando 6 de junho de 2018, 06:54h - 06:54

Já fiz dois comentários hoje e não apareceu nada.

Fernando 6 de junho de 2018, 06:52h - 06:52

Essa reportagem me fez lembrar do final da década de 50, quando tinha os avós maternos que moravam em Rio Claro e íamos pra lá de trem. Tinha também um irmão que morava em Santos (SP) e íamos até a cidade de São Paulo de trem e lá, pegávamos o ônibus pra ir a Santos. Não não temos nada disso. É um verdadeiro RETROCESSO!

Fernando 6 de junho de 2018, 06:34h - 06:34

Bela época. Lembro-me quando tínhamos os avós que moravam em Rio Claro e íamos pra lá de trem.
Tinha um irmão que morava em Santos (SP) e íamos até São Paulo de trem e lá pegávamos o ônibus pra ir a Santos. Final da década de 50. Hoje não existe nada disso mais. É um retrocesso!

Candidato a Dom Paulo I 5 de junho de 2018, 22:15h - 22:15

Não só montadoras de caminhões fazem pressão pelo transporte rodoviário predominante, tem as fábricas de pneus (quem mandou trem não usar pneu) e de peças para reposição, mas principalmente as distribuidoras de combustíveis e as empreiteiras que ganham muito mais com rodovias do que com ferrovias.
Sobre monarquia, eu também me apresento como candidato a imperador. Não pode é um “príncipe” com fama de antipático, se achar automaticamente herdeiro do trono, sem aclamação do povo, enquanto outro descendente de Pedro II, seu primo, e que poderá ser o Pedro III, visto como mais simpático, porém considerado fora pela renúncia de seu avô, há mais de um século, por motivo que nada tem a ver com os tempos modernos.
Chega que isso está parecendo conto da carochinha.

VAI VENDO 5 de junho de 2018, 22:43h - 22:43

Eu voto em Vc para futuro Imperador do Brasil. Mas para isso Vc tem de assinar em apoio ao projeto de sugestão legislativa que está no Senado por já ter recebido mais de 35 mil apoios (20 mil necessários) só aguardando o relator. Tenho certeza que o apoio do futuro ……….. Imperador do Brasil Dom Paulo I …….. terá muito peso e consideração dos senadores.

Só para lembrar: Dentre os 10 países mais desenvolvidos do mundo em várias questões, 08 são monarquias. Apenas 02 repúblicas na rabeira e bem ao fundo: EUA e Irlanda do Norte.

Não vá me dizer que as monarquias são ruins para melhorar o transporte ferroviário no Brasil para ajudar o Calife e outros apaixonados a reviver o tempo que usou o trem.

Smilodon Tacinus 5 de junho de 2018, 19:13h - 19:13

Bela e oportuna crônica!…

VAI VENDO 5 de junho de 2018, 18:56h - 18:56

E quem diria que o nosso país já era moderno na época de D. Pedro II com a MONARQUIA quando a ferrovia era maior ou igual a dos EUA. Aí veio a REPÚBLICA e destruiu tudo e continua a destruir. Eles não conseguem fazer uma linha.

A presidente do STF, Carmén Lúcia queria colocar em pauta o parlamentarismo, mas desistiu ao ser aconselhada que não era a hora adequada para uma mudança de SISTEMA DE GOVERNO de presidencialismo para parlamentarismo. De nada adianta mudar para parlamentarismo sem mudar tbm de REPÚBLICA para MONARQUIA como FORMA DE GOVERNO.

Mudar para parlamentarismo com os deputados que temos em Brasília é fazer chover no molhado. O primeiro ministro sempre comprará os parlamentares para se manter no posto. Ao contrário de um monarca, no caso do Brasil, um imperador. A primeira luz acessa de descontentamento do povo, o imperador já destitui o governo. Isto foi feito 15 dias atrás na Espanha e nesta semana na Jordânia. S I M P L E S M E N T E com uma canetada se acaba com os corruptos.

Aí vem um politiqueiro dizendo ser balela e o povinho acredita pq o povo aprende política é com os politiqueiros.

O povo, especialista em futebol, novelas e em política, não procura aprender política com os livros sobre o assunto.

A Vc que chegou lendo até aqui: Se não acredita em mim, que pelo menos abra um livro didático sobre o assunto de política ou estude Ciência Política. Para o bem do Brasil e futuro de seus filhos e netos, não dê ouvidos a analfabetos políticos que nesta eleição de 2018 aparecerão 99.9% deles.

minha opinião 5 de junho de 2018, 10:56h - 10:56

Como vi na comédia “Todo Mundo Quase Morto” um filme sobre zumbis em Londres um personagem fala com o outro :Cadê seu carro? e o outro responde:Eu moro em Londres por que eu teria um carro? . Brincadeiras a parte e isso mesmo ele quis dizer em uma cidade que o transporte funciona com qualidade e que não e visto pelas classes mais abastardas como uma coisa desqualificante vc segue precisa ter um carro. A escolha do sistema rodoviário em detrimento do ferroviário durante o governo JK e posteriormente maximizadonos governos militares deu nisso ai.

Pagador de impostos 5 de junho de 2018, 09:34h - 09:34

Me lembro vagamente de ter andado de trem algumas poucas vezes na minha infância. Mais recentemente, durante uns meses à trabalho em São Paulo,usei muito os serviços da CPTM para me deslocar do hotel até o local do trabalho, num percurso de pouco mais de 30 minutos, feitos após uma caminhada de 15 minutos, do hotel até a estação. Do trem, assistia, tranquilo e relaxado, os milhares de motoristas presos nos engarrafentos das avenidas marginais daquela cidade. Meu sonho era ter um opção desse tipo para nossos deslocamentos para Barra Mansa e outras cidades próximas. Será que ainda veremos isso meu caro Calife ?

Alan 5 de junho de 2018, 08:31h - 08:31

Isso é pura verdade o Brazil retrocedeu muitos anos em deixar sucatear as nossas ferrovias para favorecer a indústria de caminhões .. estamos pagamos o preço por ter desperdiçado milhares de horas os trabalhos , ferrovias e máquinas que foram deixadas de lado ate parar .

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