O maestro, o detetive e a cantora de jazz

by Diário do Vale

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Inesquecível: Peter encarava os bandidos e Lola cantava
(Fotos: Divulgação)

 

Semana passada eu estava garimpando na internet quando topei com um episódio do seriado “Peter Gunn”, de 1959. Exibidas na TV aberta daquela época (não tinha outra) as aventuras do detetive impecável ficaram famosas pela trilha sonora de jazz. Que ganhou vários prêmios Emmy e Grammy e transformou o seu compositor, o maestro Henry Mancini, em uma celebridade. Outra característica do seriado é a estilização total. Um fã comentou que “Peter Gunn” é tão estilizada quanto uma apresentação do teatro Kabuki. O fato é que rever aquele seriado no Youtube foi uma verdadeira viagem no tempo. De volta a uma época em que a televisão era muito, muito chique.
O motivo é muito simples. Na década de 1950 os aparelhos de TV custavam muito caro. Só as famílias da classe A podiam ter um. Quando era criança me lembro de assistir alguns programas na casa de uma vizinha. A única que tinha televisão no nosso bairro. E como só os ricos podiam ter uma TV, a programação não podia apelar para a baixaria e o popular. Os programas tinham que ser sofisticados, incluindo os seriados americanos. Afinal mesmo lá em cima, na terra do Tio Sam, televisão não era diversão de pobre.
E foi esse elitismo forçado que produziu joias como as aventuras do Peter Gunn. Blake Edwards, o criador da série, diz que o seriado era uma adaptação de outro que ele tinha feito para o rádio em 1949. A trama segue as aventuras do detetive particular Peter Gunn, um sujeito sofisticado, que adora música de jazz e cobra mil dólares para resolver os casos. Ele frequenta um bar com musica ao vivo, o Mother, que fica perto do cais do porto em uma cidade não identificada.
A atração do Mother é a cantora Eddie Hart, namorada do nosso herói. Craig Stevens faz o papel de Peter Gunn enquanto Edie Hart tinha que ser interpretada por uma atriz bonita, que também fosse cantora de jazz. Blake Edwards escolheu a loira Lola Albright, que já foi descrita como “a irmã mais inteligente da Marilyn Monroe”. Como nosso herói faz do Mother o seu escritório, todo episódio inclui uma canção e um número de jazz. Alguns dos melhores músicos dos Estados Unidos fizeram participações no seriado, acompanhando a namorada do herói em suas performances. Até o guitarrista brasileiro Laurindo Almeida deu uma “canja” na série.
O que não quer dizer que a trama policial ficasse em segundo plano. “Peter Gunn” abordou temas que só chegariam aos cinemas muitos anos depois. Logo no primeiro episódio o herói investiga os crimes de um esquadrão da morte formado por policiais. E nos anos 70 ninguém menos do que o Clint Eastwood copiou o roteiro desse filme para o segundo longa da série do detetive “Dirty” Harry. No episódio que assisti semana passada, “O Sapo”, Lola Albright interpreta “How High the Moon” acompanhada pelo trompetista Shorty Rogers.
Com boas histórias e ótima musica, Peter Gunn teve 114 episódios e ficou quatro anos no ar.
Foi o início de uma parceria entre Blake Edwards e Mancini que continuou em filmes famosos como “Bonequinha de Luxo”, “A Pantera Cor de Rosa” e “Um Tiro no Escuro”. O tema do detetive sofisticado passou a ser tocado em festivais de jazz e foi regravado por um monte de gente. Mancini e Lola Albright aproveitaram a popularidade da série e gravaram dois discos de vinil no estilo “cool jazz” da trilha sonora.
Já não se fazem mais séries de TV desse calibre. Nesta segunda década do século XXI o cineasta Steven Spielberg anda com a ideia macabra de fazer um remake do Peter Gunn. Tomara que desista. Onde é que ele vai arranjar um novo Henry Mancini e uma nova Lola Albright? Só quando inventarem a máquina do tempo. Peter Gunn pertence aos anos de 1950, como os carros rabo de peixe. E é lá que ele deve ficar.

Jorge Luiz Calife | [email protected]

 

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