No início de dezembro, após dois anos de pesquisa nos acervos e nas entrevistas com artistas angrenses, fiz a defesa da dissertação de mestrado intitulada “Teatro Amador em Angra dos Reis – o Grêmio Dramático e Beneficente Quaresma Júnior (1930-1953)”. E, agora, aproveito o espaço dessa coluna para compartilhar com vocês essa história que ficou escondida entre memórias e documentos.
Para chegar ao grupo analisado foi preciso construir uma linha do tempo do teatro produzido na então capital federal, o Rio de Janeiro, e como esse teatro adentrava junto das circulações para as cidades do interior do estado. Durante o final do século XIX e início do século XX o Rio de Janeiro presenciou o surgimento de companhias encabeçadas por nomes de destaque no cenário teatral que promoviam um movimento estreito e fechado que não dava margem para os “novatos” ou para os aventureiros apaixonados pelas artes cênicas, que ora não tendo condições de ocuparem os grandes edifícios, ora não tendo interesse em se profissionalizarem, passaram a trilhar um percurso paralelo ao teatro profissional, juntando-se em grupos, associações e grêmios artísticos, e construindo seus próprios equipamentos culturais (muitas vezes em garagens ou salão de edifícios) e formando grupos de Teatro Amador.
Indo de encontro a primeira definição estipulada pelos profissionais e críticos de teatro da época sobre esse teatro amador, que oficialmente seria aquele que cultiva qualquer arte por prazer e não por ofício, encontramos o termo pejorativo “teatrinho”, usado para denegrir e diminuir a importância, designando aos núcleos – compostos muitas vezes por operários, homens e mulheres de famílias tradicionais e outros cidadãos dos mais diversos segmentos sociais – nenhuma qualidade artística, nem comprometimento e responsabilidade com a atividade cênica.
Esses grupos levavam teatro a um público muitas vezes afastado dos grandes centros, inserindo espectadores nas discussões e questionamentos levantados nos palcos daquele momento. Essa circulação pelo interior do Estado, após temporadas na capital, foi despertando nas cidades interioranas o interesse pelo fazer teatral. Esse processo de interiorização pode ser observado através do número expressivo de núcleos dramáticos formados, em sua maioria, por moradores locais que visando promover cultura e reformular o contexto sócio-cultural de cidades como Três Rios, Volta Redonda, Valença, Mendes e Angra dos Reis, começam a fundar seus próprios grupos de teatro.
Em 1937 na cidade de Três Rios, surgiu, com o intuito de arrecadar recursos financeiros para as entidades beneficentes, o Grupo de Amadores Teatrais Viriato Corrêa (GATVC). Formado desde sua origem por pessoas da comunidade, o grupo de amadores trirriense pode ser considerado o mais antigo do Brasil ainda em atividade.
No mesmo período na cidade Engenheiro Paulo de Frontin surgem os grupos: Grupo Dramático “Apolônia Pinto” fundado com finalidade filantrópica, e Grupo “Adrianino” que visava o entretenimento dos funcionários da Fábrica de Fogos de Artifício Adrianino.
Em Valença surge em 15 de novembro de 1945 o Grêmio Dramático José Guimarães, que além de realizar espetáculos para os valencianos, tinha a finalidade de arrecadar fundos para as obras da Irmandade de Nossa Senhora da Glória, que sedia desde 1920, com essa finalidade, o espaço do Pavilhão Leoni, localizado no centro da cidade, para as apresentações de grupos amadores e eventos musicais.
No mesmo ano de fundação do “José Guimarães”, surge em Volta Redonda, a partir do desejo de dois operários em possibilitar o lazer dos funcionários da recente indústria siderúrgica instalada na cidade, o Grêmio Artístico e Cultural Edmundo de Macedo Soares e Silva (Gacemss). Nome escolhido para homenagear o presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Com a construção do ramal férreo que ligava Volta Redonda a São Paulo, Angra dos Reis, que vivia do setor industrial e do escoamento dos minérios pelo seu porto, teve uma baixa significante no comércio local, refletindo diretamente no setor cultural, que deixou de atrair e receber companhias que vinham fazer temporadas no município.
A cena teatral de Angra só foi modificada com a chegada do diretor e ator cari oca Theóphilo Massad nos anos 30, e pelo seu desejo em manter viva as experiências e aprendizados do tempo em que esteve atuando na capital e na Escola Dramática do Rio de Janeiro. Massad movimenta o setor cultural e possibilita a sociedade angrense voltar a desfrutar de um espetáculo teatral composto por artistas da cidade que acabam formando um grupo intitulado Grêmio Dramático João Caetano.
Os integrantes desse grupo passaram a se reunir em uma sala da principal igreja da cidade, o Convento do Carmo, que recebeu o nome de Teatrinho do Carmo. Em 1940, o espaço já não comportava, tanto estruturalmente, quanto conceitualmente, os desejos dos integrantes que visavam ampliar o repertório e não acatar a censura por parte da igreja que passou a fazer exigências em relação ao conteúdo e a presença de moças no elenco. Assim saindo do espaço religioso ocupam o antigo prédio onde funcionou em no século XIX o Teatro Angrense, e fundam o Cine-Teatro Odeon, passando a partir de 27 de abril de 1941 a se chamar Grêmio Dramático e Beneficente Quaresma Júnior.
Essa descoberta inconsciente dos amadores junto de Massad sobre a arte de atuar serviu para concretizar a base histórica e primária do teatro angrense, que repercute até as novas gerações de artistas. Pois, por se tratar de uma formação artística pautada na prática e no aprendizado diário, onde o ensinamento é transmitido através das vivências e não de uma sistematização escolar, fez com que todo o conteúdo ofertado pelo diretor cênico ganhasse novos desdobramentos e seguisse para as novas gerações sem uma identificação de sua origem.
A década de 40 promoveu uma verdadeira revolução das artes no interior do Estado do Rio de Janeiro, fazendo efervescer em cidades distintas, diversos grêmios amadores que além de estabelecerem processos próprios de aprendizado sobre o teatro e suas funções cênicas, visava ampliar e recontextualizar a importância desse outro teatro, articulado e independente, que servia também para unir a comunidade em torno de propósitos. Esses núcleos amadores se tornam verdadeiras escolas teatrais que fazem as artes cênicas se perpetuarem longe dos grandes centros.
JOÃO VITOR MONTEIRO NOVAES | [email protected]