Os moradores do Palácio

by Diário do Vale

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Nas cercanias de Paris existe um monumento suntuoso e imponente: o Palácio de Versalhes, construído e ampliado ao longo de mais de cem anos, entre os séculos 16 e 17 , uma obra que impressiona não apenas pela beleza de suas linhas barrocas, mas sobretudo pelo exagero de suas dimensões. São mais de 2.300 aposentos! Pra você ter uma ideia da empreitada megalômana, o maior hotel do Brasil, situado em São Paulo, possui 780 apartamentos.
O Palácio foi palco ou estopim de uma série de episódios importantes ou bizarros. Diz a lenda que na tresloucada corte de Luis XVI os súditos eram convidados a aplaudir o despertar do Rei. Não sei o quão espetacular era esse despertar, mas o hábito é de uma excentricidade injustificável.
Foi Maria Antonieta quem protagonizou um dos episódios mais emblemáticos da balbúrdia real que se transformou a monarquia francesa da época: ante a revolta de milhões de franceses famélicos que padeciam sem pão para comer, sugeriu que comessem então brioches.
Com tanta sensibilidade social, acabaram morrendo guilhotinados pouco tempo depois. Pelo menos deram impulso involuntário à Revolução Francesa, que deixou algum legado libertário e um recado aos abusos dos monarcas da época.
Menos famoso foi um dos primeiros moradores do Palácio, o Rei Luis XIV, que apesar do apelido de Rei Sol, não teve a ideia de convocar seus súditos para aplaudirem o seu despertar.
Se as meninas do Leblon aplaudem o por do Rei Sol, porque as de Paris não poderiam aplaudir o despertar do Rei Sol?
Ele tinha suas extravagâncias e uma delas dizia respeito a seus hábitos de higiene não muito convencionais. Há quem diga que tomou apenas três banhos em toda a vida, o que provavelmente é um exagero sem muita fundamentação histórica, até mesmo porque os banhos não eram registrados em cartório (e havia no palácio cômodos exclusivamente destinados aos banhos). Mas há pouca dúvida de que realmente tenha ostentado hábitos de higiene pessoal que deixariam aquele amigo sujinho do Cebolinha com vergonha alheia.
Para minimizar os odores que exalava por onde andava, costumava tomar o chamado banho seco: trocava de roupa várias vezes ao dia, se besuntava de pó de arroz, usava perucas (feitas de crina de cavalo) que aumentavam ainda mais a colônia de piolhos e só lavava minimamente o rosto e as mãos.
Com hábitos tão peculiares, causa estranheza que tenha tido tantos filhos (a maior parte deles fora do casamento) e vivido 77 anos, numa época em que a expectativa de vida era particularmente baixa. Vai ver que os anti porcos, digo, os anti corpos, ajudaram.
Mas não dá para crucificá-lo (nem guilhotiná-lo) pelos hábitos pouco recomendáveis. Os médicos medievais (fazendo jus ao nome) acreditavam que as doenças penetravam no organismo através dos poros abertos e que manter uma camada de sujeira no corpo seria uma forma de se manter protegido das doenças invasoras. Isso numa época em que doenças e epidemias se alastravam justamente pela falta de higiene e saneamento.
Hoje quem visita o Palácio se encanta com sua decoração suntuosa, suas dimensões nababescas, seus jardins caprichosamente desenhados e sua monumental sala de espelhos.
Mas entre a vida de um Rei da Idade Média cheio de piolhos e camadas de sujeira e a minha moderna labuta de cada dia, fico com esta última. Apesar de todos os problemas, ainda tem um banho quentinho me esperando todo final de dia, e até onde sei, meu pescoço não está a prêmio em nenhuma guilhotina em praça pública.
Liberté, Fraternité e chuveirê !

 

 

ALEXANDRE CORREA LIMA| [email protected]

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