Pós verdades

by Diário do Vale

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Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas, disse certa feita o filósofo alemão Friedrich Nietzsche.

Nada mais verdadeiro, sobretudo para um amante da filosofia. É preciso ter a mente aberta para o caráter impermanente das coisas. As verdades de hoje podem ser as mentiras de amanhã e é bom que tenhamos humildade intelectual para aceitar as novas evidências.

Houve um tempo em que se aceitava como verdade absoluta que a Terra era uma tábua. Como já foi “verdade” (em maior ou menor nível de aceitação) que negros, judeus e mulheres eram inferiores, e que o menisco poderia ser totalmente extraído dos joelhos sem consequências futuras.

As verdades mudam conforme colecionamos novas evidências e mudamos nossos paradigmas (inclusive o paradigma de usar paradigma nas frases com ar de conselho sábio).

A verdade de hoje sempre correu o risco de ser a mentira de amanhã, mas pela primeira vez na história estamos vendo a mentira de sempre querer virar verdade.

O dicionário Oxford costuma eleger “a palavra do ano”, normalmente algum neologismo da moda, que tenha explodido na internet e na sociedade no ano anterior.

E em 2016 esse vocábulo foi “pós verdade”, cujo significado denota as circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos importantes na formação da opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.

Em resumo, uma verdade customizada, fabricada de acordo com o gosto e as conveniências do cliente.

O termo ganhou destaque com eventos e líderes políticos que andaram na mídia em 2016, sobretudo o polêmico Donald Trump, cuja campanha foi marcada pela guerra de versões, pelo preconceito e pela fabricação de notícias.

Rebelando-se contra a imprensa, o novo Presidente americano (que apesar de posar de doido ainda não rasgou cédulas com a cara do Benjamin Franklin) alardeou seus fatos alternativos, versões delirantes da realidade, sem base nas evidências. Uma mentira com roupa de fato, na qual a ausência de veracidade é mera circunstância transitória. Ficção, realidade e crenças fundem-se numa esfinge indecifrável que devora o bom senso.

Um breve passeio pelas redes sociais do mundo mostra que essa parece uma tendência ainda mais mundana do que o dicionário Oxford poderia prever.

Como se até mesmo a Verdade pudesse agora ser comprada num supermercado, no qual você escolhe a sua própria versão, nos sabores baunilha, laranja ou chocolate meio amargo.

Talvez a internet, essa democracia digital que deu palanque a todas as vozes, tenha contribuído um pouco para a tendência. Com sua inteligência artificial, tende a nos sugerir e entregar apenas as páginas e conteúdos que mais se assemelham com o que vimos, navegamos ou curtimos antes, gerando um efeito cascata em que temos cada vez mais das mesmas vertentes, variações sobre o mesmo tema, que fortalecem nossas crenças prévias e nos afastam do infortúnio do convívio com o diferente ou com as antíteses, uma ilha de conformidade que nos dão o conforto de acharmos que nossa pequena tribo é a maioria do planeta.

E assim vão-se fabricando verdades sob medida, ao sabor das conveniências. Só espero que a pós verdade não seja uma pré tragédia.

Porque a verdade pode até um dia mudar, mas uma mentira será sempre o que sempre foi: uma mentira.

 

ALEXANDRE CORREA LIMA| [email protected]

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