Volta Redonda comemorou na sexta-feira, 17 de julho, 61 anos de emancipação. Uma ideia que nasceu basicamente de um grupo de maçons da Loja Maçônica Independência e Luz II. Mais especificamente, de Lucas Evangelista. O plano era bom. A cidade foi mobilizada. Um dos maçons que liderou o processo, Alan Cruz, era nada menos que o presidente do então poderoso e influente Sindicato dos Metalúrgicos.
Mas faltava uma coisinha sem a qual não dava para levar adiante o projeto: grana.
Era um grupo de classe média. E a conclusão foi de que não dava para cobrir os custos do movimento vendendo rifas. Além disso, a influência política do grupo não saía dos limites do distrito. Era preciso encontrar alguém rico, muito rico, para patrocinar a empreitada. E com muita, muita influência política.
Encontraram. O nome: Sávio Cotta de Almeida Gama.
Embora fosse dono da Fazenda Retiro, em Volta Redonda, Sávio estava morando no Rio de Janeiro. Convidado para o movimento, veio como “comandante” (este se tornou seu apelido). Assumiu as articulações, comprou vereadores de Barra Mansa, injetou dinheiro no movimento, conseguiu apoio do governador do Estado e do presidente da República. Fez tudo.
Mas, afinal, quem era este homem tão rico e poderoso?
Em Volta Redonda era ¨apenas¨ o dono da Fazenda Retiro. Mas no Rio de Janeiro, então Capital da República, ele era muito mais. Ele era o cara.
Cadê o Sávio na festa de inauguração da CSN?
Em 9 de abril de 1941 – treze anos antes da emancipação de Volta Redonda – ocorreu o fato mais marcante da história da região: a inauguração da CSN. Getúlio Vargas veio pessoalmente. A nata política, militar e empresarial do país o acompanhava. À noite, em uma casa no Laranjal, onde Getúlio pernoitaria, houve uma grande festa, com jantar.
Claro que a turma do cerimonial e da diretoria da CSN não deu bola para a jacuzada de Volta Redonda. Deixaram a turma da terra de fora dos convites.
Por isso todos tomaram um susto quando Getúlio chamou seu ajudante de ordens e perguntou:
– O Sávio ainda não chegou?
– Ainda não, excelência – respondeu o ajudante de ordens.
– Ele não costuma se atrasar. É um cavalheiro. Algo aconteceu. Procures saber o quê.
Alerta vermelho. Rebuliço. Quem era o Sávio? O dono da Fazenda Retiro, descobriram. Correram até a fazenda e encontraram Sávio já indo dormir. Pediram desculpas, dizendo que o convite fora extraviado (era mentira).
Sávio não engoliu a desculpa, mas em consideração a Getúlio trocou de roupa e foi para o jantar.
Na festa, surpresa maior. Diante da nata política, econômica e social do país, Getúlio chamou Sávio para se sentar à mesa ao seu lado.
Se os mandachuvas da CSN e do cerimonial conhecessem melhor a intimidade de Getúlio saberiam que ele era vizinho de Sávio na casa de campo em Petrópolis, onde, em muitos finais de semana, se encontravam. Eram amicíssimos. As esposas saíam constantemente para jantar juntas no Rio de Janeiro.
Mais: Getúlio, mesmo antes de construir a CSN, vinha a Volta Redonda só para visitar o amigo e se hospedava na Fazenda Retiro. Olhando de lá a vista dos campos comentava que conseguia visualizar ali uma grande siderúrgica.
E assim foi feito.
O ‘menino de ouro’ do Rio de Janeiro
Sávio Gama não foi amigo só de Getúlio Vargas. Era amigo do peito do governador Amaral Peixoto. Foi amigo muito chegado de Juscelino Kubitschek – a quem foi visitar em Lisboa durante o exílio do ex-presidente, em 1966. O governador Amaral Peixoto (da época da emancipação) era quase um irmão.
No Rio, Sávio era parte de um grupo de jovens chamado “os meninos de ouro” do Jockey Clube do Rio de Janeiro, juntamente com amigos como os jornalistas Assis Chateaubriand (o “Rei do Brasil”) e Zózimo Barroso do Amaral – o mais influente colunista que já existiu no Brasil.
Zózimo, como colunista, só encontrava um rival no badalado Ibrahim Sued. Pois Sávio foi quem ensinou Sued a conhecer vinhos e o apresentou à alta culinária.
Sávio era amigo dos maiores artistas da época. Cantores, cantoras, músicos, atores.
Di Cavalcanti fez um quadro chamado ¨Santa Cecília e os apóstolos¨ (hoje no acervo da família de Roberto Marinho) em homenagem a D.Cecília, mulher de Sávio, a quem presenteou com a obra.
Mas a pergunta continua: quem era este homem tão influente, rico e poderoso?
Em noite de gala, no Golden Room do Copacabana Palace, da esquerda para a direita: Paulo Barata Ribeiro, Darcy Vargas, mulher de Getúlio Vargas, Sávio Gama e Nininha Quartim
Em noite de gala, no Golden Room do Copacabana Palace, da esquerda para a direita: Paulo Barata Ribeiro, Darcy Vargas, mulher de Getúlio Vargas, Sávio Gama e Nininha Quartim
‘Que saudades, ôôô, do Casssino da Urca’
O samba enredo da Mangueira, no Carnaval de 1989, dá a pista de quem era Sávio. O samba falava dos grandes musicais do passado, como o teatro musical de Carlos Machado.
O que tem a ver com Sávio?
Bem, em primeiro lugar foi o pai dele, Oscar de Almeida Gama, quem criou o bairro da Urca. Em uma concessão do governo, aterrou parte da Baía de Guanabara e fundou a Urca.
E foi Sávio, aos 26 anos, quem construiu o Cassino da Urca. O maior e mais belo cassino do país e, ao mesmo tempo, uma casa de shows pela qual passaram os maiores ídolos musicais da época.
Sávio vendeu o cassino e, em seguida, abriu uma outra casa de shows e boate chamada Casablanca. Carlos Machado apresentava ali seu teatro musical. Aliás, Sávio depois vendeu a casa ao próprio Carlos Machado, o “Rei da Noite” do Rio na época.
Sávio veio de uma família milionária, que reunia empresas no Brasil e vinhas em Portugal.
Multiplicou a riqueza. Engenheiro por formação, foi ele quem construiu a enorme ilha artificial que hoje abriga a UFRJ na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. O aterro para a construção da CSN e da Fábrica de Cimentos Tupi, em Volta Redonda.
O homem amava aterrar.
Quando prefeito de Volta Redonda, pegou uma área pantanosa, aterrou e criou um novo bairro: o bairro Aterrado.
O segredo guardado pelos emancipadores
A trajetória de Sávio Gama, acima descrita, é detalhada no livro “Sávio Gama, fotos que contam sua história”, escrito pela sua filha única, Maria Cecília Gama, e editado pelo Unifoa. Vale a pena conferir o excelente livro, uma fonte primária da história do emancipador que foi duas vezes prefeito de Volta Redonda.
Este colunista teve o prazer de conviver, quando jovem jornalista, com muitos dos emancipadores da cidade – estes já mais idosos. Especialmente Jamil Rizkala e Alan Cruz. Havia um pacto de guardar segredo sobre um detalhe da emancipação: o dia em que a Câmara de Barra Mansa aprovou, por um voto de diferença, a emancipação. Sem isso Volta Redonda não teria sido criada.
O segredo é que Sávio comprou alguns vereadores para que votassem a favor ou se ausentassem da sessão (três se ausentaram e assumiram três suplentes que eram do distrito de Volta Redonda).
Um dos vereadores ficou pasmo quando viu um enorme maço de dinheiro na sua frente. Embolsou o “pixuleco” e garantiu mais um voto pela emancipação. Para garantir outro voto Sávio contratou os serviços de uma cortesã de Barra Mansa, que seduziu um vereador e o envolveu no projeto.
Aprovada a emancipação, Sávio foi eleito o primeiro prefeito. Como ainda não tinha sequer orçamento, alugou um prédio para ser a prefeitura, no Aterrado, e contratou alguns funcionários. Pagava do próprio bolso o aluguel e o salário de todos.
Depois que Sávio morreu este colunista conversou com sua esposa, D.Cecília. Ela contava que a família não tinha mais posses.
– O Sávio ganhou muito, mas gastou mais ainda – comentava ela.
Um “bon vivant”, que amava a noite, o requinte e vivia intensamente.
Certamente foi feliz.