Da Colonização até os dias atuais, os traços de objetificação da mulher e de designação de papeis na estrutura social e familiar reduziram, mas ainda persistem em nossa sociedade. Para as nossas ancestrais indígenas, negras, portuguesas e estrangeiras, que viveram num país eminentemente rural e artesanal, gerar vidas era gerar braços, combustível para o aumento do poder político, econômico e social.
Entre 1800 e 1900, o Brasil experimentou três episódios libertários: a independência, a abolição da escravatura e a proclamação da República, porém, o gênero feminino não usufruiu dessas conquistas, em face de arraigados costumes próprios das comunidades provincianas. Com o avançar do século XX, a população migrou para a cidade e as esposas mudaram-se para casas e apartamentos nas cidades, onde passaram a cuidar de numerosa prole. Ao final desse período, com a linha branca de eletrodomésticos e a energia fácil, elas passaram a desempenhar a terceira jornada de trabalho e ter pouca esperança de igualdade com os homens.
A partir do ano 2000, o fenômeno da globalização mudou a percepção sobre direitos humanos e provocou rápidas modificações no convívio entre os cidadãos. Todavia, os traços de despersonalização das mulheres resistiram a essas mudanças, com uma silente fiscalização a cada conquista feminina. De fato, a mulher, aos poucos, vai ocupando seu espaço, não sem a reação de velhos costumes e, às vezes, de forma dolorosa, mal que se arrasta pela história, cala sua vontade e limita seu papel.
Mesmo hoje, quando não é silenciada na voz e na vontade, por vezes, é desprezada em suas sugestões. Assim, fica claro que, para uma mudança profunda, duradoura e sustentável, capaz de promover a mulher, a educação é a ferramenta ideal para a quebra de paradigmas. No entanto, a educação, como direito fundamental, deve refletir a luta pela igualdade de direitos e representatividades em seus processos de aquisição de conhecimento, sem apropriações político-ideológicas, destacando o respeito geral entre os indivíduos.
É ilusão pensar que a violência e a subordinação feminina no Brasil são mais reprováveis que as da Europa, berço das lutas feministas. Lá, como aqui, há espaços onde elas continuam em situação de vulnerabilidade e violência sem igual. A verdade é que a luta pela equidade de direitos implica em ruptura de costumes em todo o mundo. Nesse cenário, há muitos obstáculos a serem vencidos, mas há um pouco percebido pela maioria das pessoas, que pode ser resumido em um entendimento simples: o homem não vai ser menos homem por respeitar mais a mulher.
Em resumo, a gênese da masculinidade não se modifica pela assimilação do respeito ao outro, em particular em relação ao gênero feminino. Interessante que os radares dos melhores diagnósticos não capturam essa suscetibilidade escondida nos corações masculinos, porque é impossível medir, tabular e perguntar algo tão conectado ao modo de pensar e a uma dinâmica social que, mesmo mudando celeremente em todo o País, não muda a alma de alguns cidadãos ligados de forma atávica às suas convicções.
No entanto, soluções de Segurança Pública podem e estão ajudando, aos poucos, a mudar essa história. É uma tarefa difícil, porque profissionais de segurança tem tanta dificuldade para chegar aos lugares mais remotos do Brasil, como para protegê-las dentro de suas casas, onde sofrem todo tipo de violência, inclusive, a silenciosa e quase invisível violência psicológica. Exemplos de iniciativas dessa natureza ocorrem com frequência e de forma anônima em milhares de cidades do Brasil, conduzidas pelas Guardas Civis Municipais, com suas Patrulhas Maria da Penha, que atendem as mulheres que mais precisam, principalmente as mais vulneráveis.
Este trabalho é importante, mas inseparável do ensino intrafamiliar e escolar, ambientes adequados para o ensino da convivência social e pacífica entre os gêneros. Em resumo, aprender a respeitar, desde as primeiras letras, é o melhor caminho para consolidar as condições de igualdade entre os gêneros e a forma mais simples para entender que a capacidade de gerar vidas é exclusiva, sendo motivo para promover a mulher em nossa sociedade e não para penalizá-la.
É o pensar diferente para fazer melhor, é o futuro.
José Arnon dos Santos Guerra, ex-Coordenador Geral de Políticas para a Sociedade da SENASP
Giselle Pinheiro Arcoverde, Advogada e ex-Coordenadora de Políticas de Prevenção de Crimes contra a Mulher e Grupos Vulneráveis