Fantasia é uma coisa que existe a partir de uma coisa que não existe. E eu acho muito importante que existam coisas que não existem, porque a vida seria muito limitada se fosse feita apenas do óbvio, do concreto e do que existe.
Devia ter uns sete anos quando uma prima mais velha soltou, na lata:
-Papai Noel não existe!
Foi como uma bofetada na alma, um soco na boca do âmago. Neguei e neguei tremenda heresia, mas lá no fundinho o pequeno adulto que começava a tomar corpo dentro daquela criança começou a ligar os pontinhos que formam o hohoho. Foi quando comecei a perceber que fantasia è aquilo que só existe no mundo da gente (ou dentro da gente).
Faço parte dos 0,3% da população brasileira que gosta mais do Natal do que do Reveillon ou do Carnaval.
Talvez tenham sido aqueles sete anos de fantasia que tenham plantado sementes tão longevas dentro de mim, mas o fato é que até hoje Natal me parece uma época mágica, cercada de fantasia. Felicidade encapsulada. Às vezes fica até difícil separar o que existe do que não existe.
Mas apesar de toda a magia centenária não é fácil preservar a essência do Natal. Há uns três anos tive em casa um Natal emblemático. Tinha tudo para ser o máximo: um ano próspero, família reunida, todos saudáveis e felizes. À meia noite, o grande momento da troca de presentes. Mas eram tantos presentes (todo mundo deu presente pra todo mundo) que passamos um tempão entregando presentes e abrindo embrulhos.
Meia hora depois, exaustos e empanturrados de abrir e olhar tantos badulaques (eventualmente disfarçando algum desapontamento), fomos nos deleitar com a ceia farta. Pouco nos abraçamos, conversamos ou celebramos, no sentido mais profundo da palavra. Pode parecer piegas, mas foi um natal sem cara de natal. Um paradoxo, pois o excesso de coisas acabou gerando uma sensação vazio, como quem se intoxica de pastel de vento. Na ausência d’alma dos que estavam ao nosso lado, as tranqueiradas chinesas acabaram sendo protagonistas indevidas da festa.
Este ano resolvemos fazer um natal um pouco diferente. Combinamos que apenas as crianças ganhariam presentes, e apenas um cada um, para darem valor, e os demais ganhariam presentes mais pelo significado do que pelo valor.
Uma carta, um quadro personalizado, um livro que tocasse fundo na alma, uma lembrança artesanal, uma coisa com mais cara de única do que de mercadoria, na firme crença de que a profundidade do significado será mais rica do que o valor da etiqueta.
E manteremos a decoração, a música, o espírito vivo da tradição milenar.
No final das contas, valioso mesmo é que não existe nas vitrines nem nas lojas, aquilo que não sai das linhas de montagem de Guangzhou, aquilo que só o verdadeiro espírito do natal pode dar forma.
A fantasia do Natal existe, pra todo mundo que acredita que existe.
Alexandre Correa é professor da FGV, escritor e palestrante corporativo. Ele está no YouTube, no Facebook, no Linkedin, no Instagram, no SPC e no Serasa. E não está no Tinder porque sua mulher não deixa.