No meio do caminho, encontramos um poeta e suas pedras, muitas pedras. Há exatos 90 anos, Carlos Drummond de Andrade publicava na Revista de Antropofagia, editada em São Paulo, o poema “No meio do caminho”. Até então, era um obscuro poeta mineiro da cidade de Itabira, de apenas 26 anos, que mostrava pela primeira vez um poema estranho e incomum. Ninguém entendeu o que ele queria dizer com aquele texto monótono, no qual as palavras se repetiam, e por conta disso, Drummond foi taxado de débil mental e poeta inexato.
Noventa anos se passaram, e ao longo destas décadas o poema ganhou história e uma biografia que continua viva, mesmo depois da morte do poeta modernista em 1987. Tive o privilégio de conhecê-lo em 1984 e desfrutar da leitura de alguns dos seus artigos em jornais daquela época. Não foram poucas as pedras que ele me fez enxergar pelo caminho.
Drummond, assim como descrito em seu poema, conheceu muitas pedras. As críticas ao seu texto foram perturbadoramente agressivas, mas obstáculos maiores ele iria viver mais à frente com o nascimento de seu filho, Carlos Flávio que após o parto viveu apenas meia hora. Depois, vivenciou a morte de sua filha, vítima de um câncer, Maria Julieta Drummond de Andrade, doze dias antes da sua, que ocorreu em parte devido a perda dessa filha, sua grande companheira de jornadas literárias.
Como ocorreu com o poeta, também, ao longo da vida, as pedras dia após dia se apresentam em nossa frente algumas maiores, outras menores, mas que, se não forem cuidadosamente afastadas ou saltadas, certamente, produzirão drásticos efeitos em nosso caminho.
Talvez, não tenhamos uma grande preocupação com esta ou aquela pedra, com o que ela pode representar para nós no nosso ir e vir. São tantos os caminhos e os obstáculos que a vida nos apresenta que muitas vezes, não nos damos conta do que temos frente aos nossos olhos: um corpo duro e sólido, algo capaz de nos frear.
Não é necessário termos estudado Geologia e, consequentemente, Petrologia para conhecer de maneira pormenorizada uma pedra e o que ela pode nos causar se não for reconhecida como tal. Existe um ditado que diz: “Pedra que rola não cria lodo”. E assim temos que fazer, permitir que caminhem como nós, não à nossa frente, e sim ao nosso lado. Hermógenes, na sua sabedoria, cunhou este pensamento: “Jogaram uma pedra na tranquilidade do lago. O lago comeu-a. Sorriu ondulações. Voltou a ficar tranquilo”. Com isso, ele nos diz que a vida é cheia de turbulências causadas pelas pedras no caminho, mas que devemos saber sorrir diante de tudo isso, projetar ondulações positivas e voltar a seguir em frente.
Esta marcante metáfora muito nos ensina, porque podemos até perceber que tais pedras são, de alguma maneira, importantes agentes de mudanças, e mais do que nos fazer cair diante das muitas inevitáveis topadas, elas farão com que nos reerguemos sempre com um olhar firme e objetivo rumo ao que verdadeiramente desejamos para nossa vida. Temos que ter verdadeiras e sólidas soluções para serem empreendidas a fim de removê-las. Elas certamente irão nos mostrar de maneira objetiva os caminhos, e sejam eles quantos forem, servirão para nos fazer renovar, ressurgir fortes para voltarmos a promover a caminhada.
Salve o imortal poeta Carlos Drummond de Andrade, quando nos diz: “No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra”. Ele deixou poemas e histórias, instantes que se tornaram imortais na literatura brasileira, poemas que nos permitiram ter prazer e ao mesmo tempo conhecimento, parte de um aprendizado que somente a palavra é capaz de proporcionar, mostrando que uma pedra no caminho pode ser o prenúncio de uma história de perseverança.
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