Na quarta feira, dia 8 de maio, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende mudar por decreto as regras de funcionamento da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra. O mesmo lugar onde ele foi multado por pescar em área de preservação, antes de ser presidente. No seu estilo ufanista o presidente acrescentou que quer incentivar a caça submarina na Costa Verde e transformar a região numa “Cancúm brasileira”. Uma referência ao famoso balneário mexicano do Caribe.
Felizmente, para os peixes, que serão massacrados por sujeitos armados de arpões, parece que tem um probleminha no meio desse sonho. Vejamos as manchetes do DIÁRIO DO VALE nestas últimas semanas. No dia 10 de maio, sexta-feira, o DIÁRIO DO VALE estampou na primeira página: “Tiroteios deixam três feridos e fecham a Rio-Santos em Angra”. Domingo 12 de maio, também na capa: “Empresários pedem ajuda ao Ministério Público para conter a violência em Angra”. E no dia seguinte, segunda feira 13 de maio “Angra tem seis tiroteios em apenas oito dias”.
Parece que o presidente esqueceu-se de combinar com os bandidos a realização do seu projeto turístico. O problema da violência na Costa Verde não é de hoje, até uma cônsul dos Estados Unidos já levou um tiro no pé ali na Rio-Santos. O problema é tão grave que os turistas fugiram daquela região no último final de ano. Muita gente que passava o réveillon em Angra desistiu com medo dos tiroteios. Se os brasileiros andam com medo de passear na Costa Verde, os estrangeiros também já ouviram falar no problema.
É claro que nem sempre foi assim. Em 1990 eu trabalhava num jornal do Rio de Janeiro quando a União Astronômica Internacional resolveu fazer sua reunião anual no Brasil. A primeira escolha foi o Rio de Janeiro, mas o Rio já começava a enfrentar os tiroteios nas favelas e os assaltos contra turistas na orla de Copacabana. A equipe brasileira do evento não quis arriscar a hipótese de ter um cientista de renome internacional esfaqueado em Copacabana. A solução foi transferir o evento para um hotel lá em Angra dos Reis, que ainda era um paraíso naquela época.
O encontro foi um sucesso e passamos uma semana debatendo as últimas descobertas no mundo dos quasares e galáxias. Os astrônomos adoraram o hotel na beira da praia e os passeios de saveiro pelas ilhas, voltaram para seus países com a melhor impressão do Brasil. Hoje não seria mais seguro fazer um encontro desse tipo lá na Costa Verde. Já existem gangues que atacam pelo mar, chegando de barco para assaltar bancos, lojas e turistas. E voam tiros para todo o lado.
Até a escolta do Exército Brasileiro, que acompanhava a remessa do combustível nuclear para as usinas atômicas teve que abrir caminho à bala. Hoje em dia, com a internet, essas notícias correm o mundo inteiro. Será que um turista europeu ou americano vai deixar de curtir as praias do Caribe para vir levar tiro aqui na Costa Verde? Acho que não.
E a ideia de acabar com uma reserva para promover a “caça submarina” é totalmente equivocada. Esse esporte covarde devastou a fauna marítima do mar Mediterrâneo na década de 1960. Sempre me lembro de um depoimento do oceanógrafo Jacques Cousteau, que está em seu livro “O mundo do silêncio”.
Cousteau conta a história de uma garoupa que ficou amiga dos mergulhadores, durante uma expedição a um atol no oceano Índico, onde os caçadores com seus arpões ainda não tinham chegado. O peixe acompanhava os mergulhadores, comia na mão deles e ficava ao lado da equipe, como um cachorro, enquanto eles faziam a descompressão para subir a superfície. Cousteau batizou o peixe de Ulisses e comentou que ele não sobreviveria uma semana no Mediterrâneo.
Em nome dos Ulisses anônimos de Angra, eu espero que o projeto do presidente fracasse.