Todos estão cantando e sorrindo. O alegre ficou triste, o triste ficou feliz, o bloco das piranhas está na rua. A plebe que virou corte, o gari que virou rei, o rei que foi açoitado… é muita tradição para uma pessoa só.
A maior festa popular do Brasil nos convida a romper com tudo o que nos limita, a romper contra as ditaduras do cotidiano – peso, consumo, ideias, polarizações – podemos ver a importância do carnaval para o desenvolvimento de nossa sociedade. É a festa do sim. Tudo pode! O carnaval nos convida a olhar para nossa história. Um olhar mais atento para todas as nossas influências. Nossa história é longa.
Uma festa que reflete nossas origens históricas, culturais e econômicas. A Europa, a África, a nossa mata nativa, enfim, o mundo inteiro representado em dias de folia. A representação da nossa pluralidade, o que promove nosso senso de pertencimento ao grupo. Gostando ou não, somos o país do carnaval.
Será que a subversão também não é uma necessidade nossa? O Carnaval reflete, de fato, a nossa sociedade com suas as marcas sociais e culturais. Essa festa, de alguma forma, nos representa.
A festa do catolicismo que antecede a quaresma, a comilança antes do jejum, o carnis levale; na Babilônia, duas festas possivelmente originaram o que conhecemos como Carnaval. As Sacéias eram uma celebração em que um prisioneiro assumia, durante alguns dias, a figura do rei, vestindo-se como ele, alimentando-se da mesma forma e dormindo com suas esposas. Ao final, o prisioneiro era chicoteado e depois enforcado ou empalado. Outro rito era realizado pelo rei no período próximo ao equinócio da primavera, um momento de comemoração do ano novo na Mesopotâmia. O ritual ocorria no templo de Marduk, onde o rei perdia seus emblemas de poder e era surrado na frente da estátua de Marduk. Essa humilhação servia para demonstrar a submissão do rei à divindade. Em seguida, ele novamente assumia o trono.
O que havia de comum nas duas festas e que está ligado ao Carnaval era o caráter de subversão de papéis sociais: a transformação temporária do prisioneiro em rei e a humilhação do rei frente ao seu deus. Possivelmente a subversão de papéis sociais no Carnaval, como os homens vestirem-se de mulheres e outras práticas semelhantes, é associável a essa tradição mesopotâmica.
Até a comédia Dell’Arte surgiu durante essas festas pagãs. Mas o que o carnaval nos ensina, além de que podemos aproveitar a vida e subverter os status quo? Acredito que pode ser um bom período para celebrar a vida, e digo que vale a celebração em todos, absolutamente, todos os sentidos. Dentro de um retiro espiritual ou nos cordões de Salvador, tudo vale.
Conheço gente que vai estudar nesse período, conheço gente que reza, conheço gente que pula, brinca, namora e beija muito. A verdade é que devemos entender que podemos, independente de onde nos encontramos, aproveitar para subverter a ordem das coisas. Posso aproveitar esse período, por exemplo, para me fantasiar da melhor versão de mim mesmo, ser um melhor pai, um melhor filho, melhor marido, melhor amigo, melhor profissional, enfim, essa será minha fantasia. Serei carnavalescamente o melhor de mim mesmo e, quem sabe, após a quarta-feira de cinzas eu resolva não tirar a fantasia. Quem irá acreditar? Pois é carnaval.
Por hora vou, imaginem o que vou fazer?
Aproveite o seu carnaval, pois ele é seu.
TMJ!
Raphael Haussman. É professor, Coach, consultor e apaixonado por educação e desenvolvimento humano e, ainda, pai da Raphaela e do Theo.
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Nosso dicionário:
*Bloco das piranhas – Tradicional festa de Manaus, o Bloco das piranhas é o maior carnaval de rua de Manaus, o qual celebra 40 anos nesta edição.
*Gari que virou rei – A expressão faz referência à história de Renato Luiz Feliciano Lourenço, conhecido como Renato Sorriso, um gari e passista brasileiro que se tornou símbolo do carnaval carioca.
*Maior festa popular do Brasil – O carnaval já se consolidou como a maior festa popular do país. De norte a sul, um espetáculo de cores e sons. As ruas são tomadas por blocos e cordões todos os anos.
*Ditaduras – O termo trata de maneira figurada as convenções sociais que restringem determinados comportamentos que são malvistos socialmente.
*Senso de pertencimento ao grupo – O ser humano, enquanto animal social, tem a necessidade de sentir-se parte de um grupo, parte de algo maior do que apenas a sua individualidade. Dessa forma, o senso de pertencimento está relacionado a conexão do indivíduo com a coletividade.
*Subversão – Tradicionalmente, o Carnaval tem como mote a ideia de subversão da ordem, na qual as coisas deixam de ser como são, para, temporariamente, assumirem seu inverso. Trata-se de um período no qual as pessoas entregam-se às festas e aos prazeres carnais, para, em seguida, iniciarem a Quaresma.
*Carnis levale – Originária do latim, a palavra “carnis levale”, cujo significado literal é “retirar a carne”, tem o seu sentido relacionado com o jejum que deveria ser realizado durante a quaresma e com o controle dos prazeres mundano.
*Babilônia – Babilônia foi a cidade central da civilização babilónica, na Mesopotâmia, situada nas margens do rio Eufrates. Localizada numa região fértil e num entroncamento de importantes rotas comerciais, a Babilônia tornou-se um destacado centro económico e cultural, desenvolvendo uma civilização complexa, sofisticada e cosmopolita,
*Sacéias – A ideia central das Sacéias engloba um elemento herdado pelo Carnaval cristão da Idade Média: a ideia do mundo invertido. O prisioneiro transformava-se em rei durante cinco dias, para ser sacrificado em seguida.
*Equinócio – Fenômeno onde a duração do dia é idêntica à da noite e os hemisférios Norte e Sul recebem a mesma quantidade de luz, o equinócio – do Latim, aequus (igual) + nox (noite) = noites iguais – só ocorre durante duas vezes ao ano, normalmente nos dias 21 de março e 23 de setembro.
*Mesopotâmia – A palavra mesopotâmia é de origem grega e significa “terra entre rios”. Essa região, localiza-se entre os rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio, onde atualmente é o Iraque. Vários povos antigos habitaram a região da Mesopotâmia, podemos destacar: babilônicos, assírios e sumérios.
*Marduk – Marduque, Marduk ou Merodaque, como é apresentado na Biblia, é um deus protetor da cidade da Babilônia, pertencente a uma geração tardia de deuses da antiga Mesopotâmia.
*Status quo – Status Quo é uma expressão do latim que significa “estado atual”. Cabe destacar que essa expressão não atribui juízos de valor, o estado das coisas pode ser positivo ou negativo.
*Cordões de Salvador – Os blocos e eventos dentro do carnaval são divididos por uma corda ou cordão.