Fígado com coentro

Por Diário do Vale

Até onde é possível confiar na memória, no acesso remoto àquelas páginas com cheiro de mofo que adormecem intocadas nas profundezas do baú das lembranças, resgatei o episódio em que fui diagnosticado com anemia, ainda criança.
Como remédio amargo, uma dieta que incluía doses cavalares de beterraba e bifes de fígado. A parte da beterraba eu até segui, um pouco a contragosto, mas a do fígado era fisiologicamente impossível. Meu organismo simplesmente repelia qualquer tentativa de introduzir aquele pedaço amarelado de carne garganta abaixo. Repulsa instintiva e involuntária. Não sei se mudaria de ideia num cenário famélico, no qual o bife de fígado fosse o último recurso a me separar da completa inanição.
Curei a anemia com doses monumentais de beterraba e um mix de todos os alimentos pensáveis, exceto bife de fígado, que me causa a mesma repulsa até hoje.
Nunca consegui entender aqueles seres bizarros que amam bife de fígado acebolado.
São estranhos os caminhos do paladar.
Adoro o odor e o sabor cheio de personalidade do coentro. Quando vou a restaurantes de influência baiana quase sempre peço uma dose extra de coentro (como se o poder concentrado do coentro precisasse de doses extras).
Mas sei que sou um daqueles seres bizarros que amam essa folha verde, que causa repulsa imediata numa multidão de pessoas.
Qual seria a origem da coentrofobia?
Estudiosos da língua dizem que o nome do tempero tem origem em um vocábulo do grego arcaico, utilizado para denominar o percevejo, possivelmente porque o cheiro que o coentro exala deve ter sido comparado ao odor nada agradável do inseto.
Outros associam coentro ao gosto do sabão, mesmo sem nunca terem comido sabão. A associação tem base científica. Segundo estudiosos do paladar, a decomposição química do coentro revela a presença de aldeídos, cujas moléculas também estão presentes no sabão e, pasmem, no cheiro que exalam insetos da família dos percevejos. Comer coentro pra essas pessoas deve ser o equivalente a tomar banho com sabonete de fígado para mim.
Paladar tem um componente cultural também. Milhões de pessoas ao redor do mundo consomem prazerosamente esse tempero em generosas doses, que faz parte da dieta de muitos povos, como os asiáticos por exemplo. Há ainda um estudo genético famoso que atribui as preferências do paladar à herança genética. Nosso gene já viria com uma maior predisposição a gostar ou não de determinados tipos de alimentos. Devo ter linhagem genética asiática ou baiana mesmo.
Ainda bem que há generosa oferta de todo tipo de alimento, e hoje em dia é possível viver muito bem sem comer coentro ou bife de fígado, até mesmo quando você pega anemia, pra sorte dos figadofóbicos e dos coentrofóbicos também.

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