Ideias infelizes – O Apartheid

by Diário do Vale

Foi pela capacidade de inovar, de criar e de ter boas ideias que nós chegamos até aqui. E se este mundo ainda está longe de ser o ideal, é pelo menos a melhor versão de mundo que a gente foi capaz de criar.
É o infinito poder de imaginar e criar que nos leva a patamares cada vez mais elevados de desenvolvimento, graças ao poder das boas ideias.
Mas essa não é uma estrada em linha reta. Ao longo da jornada, a espécie humana colecionou uma série notável de ideias brilhantes, mas volta e meia a gente adere a alguma ideia estúpida, desinteligente ou infeliz.
Foi o caso do Apartheid, o regime de segregação racial que aconteceu na África do Sul, país que acabei de retornar de uma viagem a trabalho.
Apartheid, na língua Africâner, significa separação. Apartheid, apartados.
O Apartheid foi um regime de segregação racial, que começou em 1948 e durou quase meio século, até 1994. O apartheid previa que os cidadãos deveriam ser categorizados em quatro grupos: brancos, negros, indianos e “de cor”, que seriam aquelas pessoas com etnias misturadas, por exemplo. O Apartheid estabelecia que os brancos eram uma raça superior aos “não brancos” e portanto teriam direitos e privilégios que as outras etnias não teriam. Negros foram forçados a se mudar para bairros afastados e o famoso bairro de Soweto se originou disso.
Negros eram cidadãos de terceira categoria, não podiam votar nem serem votados, não tinham os mesmos direitos dos brancos e recebiam serviços públicos de muito pior qualidade.
Além de ser absurdo, injusto e anacrônico, o Apartheid na África do Sul foi muito duro. Pessoas de etnias diferentes eram proibidas de se casar e a relação sexual entre elas era considerada crime. Até mesmo os bancos das praças eram reservados aos brancos.
O fundamento básico por trás do Apartheid não era exatamente novo, ele estabelecia que uma raça era superior e as outras inferiores. Essa foi a gênese do Nazismo, por exemplo, que dizia que a raça Ariana, branca e pura, era superior não apenas aos negros, mas sobretudo aos judeus. E o Nazismo deu no que deu, a gente bem sabe.

Mas o que espanta no caso do Apartheid é um conjunto de pelo menos 3 características:

1 – O contexto
O Apartheid, como política oficial, começou em 1948, num momento histórico em que todo o mundo caminhava em direção contrária, começando a promulgar leis de maior respeito às igualdades étnicas. Pior do que isso, fazia apenas três anos que a Segunda Guerra Mundial tinha acabado e o mundo ficado horrorizado com as teses do nazismo. Ou seja, o Apartheid começou como política de Estado justamente quando o mundo começava a caminhar na direção oposta.

2 – Foi um movimento de minoria
Muitas das injustiças que já testemunhamos no mundo foram engendradas contra uma minoria, que não tinha poder nem número suficiente para fazer frente a uma maioria dominante. Os judeus, por exemplo, eram milhões, mas eram minoria na Alemanha. Na África do Sul os brancos eram menos de 20% da população, mas detinham o poder político e econômico.

3 – Foi um movimento legal
O Apartheid foi uma política de Estado, ou seja, o Apartheid foi implantado através de lei. Não era simplesmente uma questão de preconceito ou um viés cultural, havia um conjunto de 148 leis regulamentando o Apartheid. Não é que você tinha o direito de discriminar os negros. Você tinha o DEVER de discriminar os negros.

Hoje o Apartheid é apenas um capítulo horroroso na história da África do Sul.
O país melhorou, se desenvolveu, mas ainda convive com problemas, desigualdades e desarranjos de todo o tipo e é possível inclusive que algumas das ideias horrendas do Apartheid, sem o beneplácito da lei nem do aparato estatal, ainda residam silenciosas na alma de muitos cidadãos.
Mas hoje pelo menos é possível dizer em alto e bom som que, dentre as muitas ideias que a Humanidade já teve, a ideia de que possamos separar as pessoas pela cor da pele parece ser uma das piores ideias que a gente já teve um dia.
Um abraço preto, branco e colorido e até o próximo texto.
Sawubona!

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2 comments

Luciano Fernando Barata 6 de outubro de 2019, 08:22h - 08:22

Muito bom!

Alexsander 30 de setembro de 2019, 08:23h - 08:23

Cara, que texto! Se quiser aprofundar pelo viés cinematográfico, te indico um filme com o Tim Robins, chamado “Em nome da Honra”. A narrativa parte de que a suposta luta ideológica na R.S.A na verdade era uma cortina de fumaça para encobrir a disputa pelas riquezas minerais. O ponto de partida são as memorias de um agente do serviço de inteligência sulafricano.
Eu penso que o regime ali se criou à sombra de um mundo bipolar, onde o governo racista se colocou como bastião anticomunista, numa África efervescente de revoluções.
Sobre as leis raciais, achei perfeita tua percepção! Em Berlim, existe um museu chamado “Topografia do Terror”, que trabalha exatamente esse aspecto: como as leis gradativamente fizeram o ódio aos judeus se tornar um dever cívico!
Parabéns pelo texto!

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