Acabei de assistir a um documentário interessante do diretor Asif Kapadia sobre a vida do jogador argentino Diego Maradona.
Ele nasceu num bairro muito pobre da capital, uma favela, onde faltava parede, esperança, água tratada e esgoto para Maradona e seus sete irmãos. Mas a Villa Fiorito nunca saiu de dentro dele.
Seu refúgio era aquela circunferência de couro que ele chutava como ninguém. Sonhava um dia poder jogar em algum time da serie A do país.
Um dia um amigo de bairro foi selecionado para a categoria de base do Argentinos Juniors. E ele disse:
– Se vocês gostaram de mim, deveriam ver jogar meu amigo Diego Armando, ele é muito melhor do que eu.
E logo ele estava desfilando seu talento nos gramados esburacados da capital argentina. Ainda adolescente conseguiu realizar o primeiro grande sonho de sua vida: tirar a família da favela e levar todos para morar em um apartamento, modesto mas decente e cheio de móveis, uma novidade para a família, acostumada a compartir muito pouco com muita gente. Daquele dia em diante Don Diego carregaria toda a família nas costas.
Não demorou para ser notado e contratado a peso de ouro para jogar na Europa, pelo Barcelona, numa temporada infeliz marcada pelas contusões e pelas performances abaixo das previsões. Mesmo assim fez 38 gols em 58 jogos.
Quis a História um destino um bocado implausível: acabou sendo contratado pelo Napoli, um dos times de menor prestígio da liga italiana e sediado numa das regiões mais pobres e problemáticas do país. Para piorar, Nápoles era uma cidade dominada pela máfia, cujos Capos logo manteriam uma complicada relação de amizade com o craque.
Após duas primeiras temporadas um tanto frustrantes, Maradona conseguiu enfileirar uma séria de triunfos absolutamente impensáveis para a modesta biografia do clube: dois Scudettos, copa da UEFA e Copa da Itália. A catarse foi ainda maior porque Nápoles era símbolo da uma Itália atrasada, violenta e pobre, em contraste com o Norte rico e desenvolvido do qual se destacavam Juventus, Inter e Roma. Era como se Nápoles fosse a Villa Fiorito da Itália.
Logo viria o redentor título mundial pela seleção argentina na Copa de 1986, cujo espetáculo mais emblemático talvez tenha sido o gol de mão contra a seleção inglesa, país que anos antes tinha “roubado” (na concepção Argentina) suas ilhas Malvinas. Curiosamente, Maradona apelidou aquele gol de “La mano de Dios”. Se ele quis dizer que a mão foi de Deus ou que sua mão era divina nunca saberemos, mas o fato é que logo Maradona se tornou um semi Deus em Nápoles.
Mas o inferno o esperava logo na esquina. Seu envolvimento com a máfia italiana, a vida pessoal desregrada e o vício em cocaína acabaram por cobrar um preço muito alto do jogador. E de alturas maiores a queda é sempre muito mais dolorosa.
Maradona foi processado e condenado pela justiça italiana pelo consumo de drogas, e pelo envolvimento com prostitutas e com a máfia italiana. Foi suspenso do futebol e ainda flagrado no anti dopping .
E daí tudo que se segue é História.
Maradona foi um dos mais talentosos jogadores que os gramados do mundo já viram desfilar. O documentário diz que havia um Diego, menino lutador que superou as dificuldades da Favela, e havia Maradona, um personagem visceral, vulcânico e explosivo que era despertava paixões e ódios. Herói e vilão dentro do mesmo uniforme suado. Tudo digno de um tango argentino, dramático, cheio de júbilo e lágrimas.
Mas como o jogador mesmo afirma, “se eu fosse sempre Diego jamais teria saído da Villa Fiorito”.
Curioso é que logo no início do documentário entrevistam Pelé perguntando sobre o talento emergente, no que ele diz, sereno:
– “Ele tem talento, tremendas habilidades, mas não está preparado ainda, parece psicologicamente imaturo para enfrentar as responsabilidades que virão”.
As imagens, capturadas em preto e branco, vistas em perspectiva histórica, parecem quase um vaticínio profético e não poderiam ter saído de ninguém mais do que aquele que soube ser gênio dentro e fora de campo. O jogador que foi Edson e não deixou que o Pelé destruísse o que conquistou, e que por isso mesmo talvez ainda hoje seja lembrado como o maior jogador de todos os tempos.
Alexandre Correa é professor da FGV, escritor e palestrante corporativo. Ele está no YouTube, no Facebook, no Linkedin, no Instagram, no SPC e no Serasa. E não está no Tinder porque sua mulher não deixa.É autor dos livros “Pesquisas de Opinião Pública” (2017) e”Longevidade Inteligente” (2020).
2 comments
Estou me comprometendo em acompanhá-lo nas suas crônicas. Não me arrependo. Sem interferir e sem fazer juizo de valor.
Bom texto, comprometido com a história. Porém, se, por um lado, Maradona não teve maturidade suficiente para ser um ídolo exemplar fora dos gramados, não podemos negar-lhe a condição de ser um cidadão crítico , que teve e tem coragem de assumir, publicamente, seu lado político; ao contrários dos ídolos desportivos brasileiros, que não têm coragem para declarar publicamente sua opção política ( como é o caso de Pelé, Zico, etc) ou daqueles sem informação, sem noção e sem argumentação, que pegam carona numa onda e passam a apoiar políticos descomprometidos com os interesses do povo que os idolatram. Pela sua coragem e desprendimento, o desportista e cidadão Diego Armando Maradona merece o nosso respeito.
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