O síndico

by Diário do Vale

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Toda segunda e quinta ela batia ponto no apartamento dele.

Desde o falecimento da esposa resolvera incorporar a diarista no rol de despesas, que agora se somava à farmácia, supermercado, IPTU, IPVA e condomínio, que pagava de muita má vontade. Também gastava um quinhão nas quase invariavelmente mal sucedidas jornadas de pôquer nas noites de quarta, que encarava menos como despesa e mais como lazer. Se não perdesse dinheiro com isso perderia em bares ou outras atividades ainda menos nobres, de tal modo que não lhe parecia mau negócio, até mesmo porque ocasionalmente a sorte lhe sorria e voltava pra casa com algum no bolso.

Elizabeth era uma morenona bem apessoada, que fazia seu serviço com o vigor de um atleta e a simpatia de uma animadora de auditório, sempre cantarolando desafinada as músicas que escapavam do seu celular Xing Ling de último tipo.

Numa manhã de quinta-feira, talvez incentivado pelo efeito tardio da meia garrafa de whisky da noitada de pôquer, ou pela sensação de poder que emanava do raro sucesso financeiro da jogatina, notou com indisfarçável interesse aquele par de pernas bem torneadas enquanto Elizabeth subia as escadas de alumínio para limpar a estante da sala. Como nunca notara esse corpanzil todo? Até mesmo aquele sorriso arreganhado agora lhe parecia terrivelmente suspeito. E convidativo.

Suas primeiras abordagens resultaram infrutíferas, o que fazia com que se sentisse um tiozão decrépito que assiste seus fiapos de dignidade escorrerem pelos vãos dos dedos engelhados.

Mas com a paciência de um monge bundista ele não desistiu. E Elizabeth foi cedendo ao seu charme maduro e sua resiliência obstinada.

Foi numa quinta-feira chuvosa que tudo enfim se consumou. A mulher era um verdadeiro furacão e daquele dia em diante passaria a frequentar o quarto do patrão com mais assiduidade do que qualquer outro cômodo daquele apartamento.

Só tinha um detalhe que o deixava incomodado. É que na hora G a mulher simplesmente enlouquecia. Gritava, urrava, esmurrava o peito dele, fazia um escarcéu de envergonhar gerente de bordel. Passado esse momento de fúria, ela dava um último suspiro lânguido e tombava inerte de lado, feito felina indefesa.

É preciso dizer que no início ele até gostou dos olhares oblíquos que lhe eram direcionados no elevador do prédio. Ostentava aquela gritaria como um troféu de abate, símbolo da sua virilidade inabalável. As desavisadas que se cuidassem. Toninho estava de volta no pedaço.

Mas aos poucos, com a constância duosemanal da fuzarca, os vizinhos começaram a se incomodar com o barulho, capitaneados pelo síndico cri cri, morador do apartamento ao lado, que chegou a utilizar um medidor de decibéis para provar que o barulho estava infringindo a legislação municipal.

–    Quem você pensa que é pra ficar monitorando o que eu faço na minha vida particular?

–     E quem você pensa que é? Ator pornô da terceira idade?

Estava declarada a guerra.

Toninho sabia que estava passando dos limites, mas não queria renunciar às benesses de dona Elizabeth, até mesmo porque ela era tremendamente profissional. Fazia malabarismos na cama de invejar trepazista do Cirque du Soleil, gritava, surtava, esperneava. Depois vestia o avental e ia passar aspirador na sala, como se nada tivesse acontecido.

–    Não esqueça de secar a área de serviço, dona Elizabeth.

–    Pode deixar que passo o rodo, senhor Antônio.

O síndico protocolou uma advertência por escrito, pela infringência do artigo 37 do estatuto dos inquilinos do conjunto residencial Paradiso.

Toninho sabia que o cerco estava se fechando e precisaria buscar uma rápida solução.

Teve a ideia de beijar Dona Elizabeth toda vez que a sessão escândalo se iniciasse, mas ela se ofendeu profundamente:

–    Nunca imaginei isso do senhor…

–    O que Elizabeth?

–    Que falta de respeito, não podemos confundir as coisas… Assim o senhor me ofende…quem pensa que eu sou para me beijar assim?, choramingou, enquanto se contorcia com alguns espasmos involuntários.

A relação começava a se deteriorar.

Um dia Elizabeth passou dos limites, gritando como se estivesse sendo espancada, para loucura do Toninho, que desesperado, tentou abafar os sons colocando um travesseiro sob seu rosto.

Dona Elizabeth não suportou tamanha humilhação e jamais retornou àquele apartamento.

Toninho entrou em profunda depressão. As segundas e quintas só não eram mais vazias que seu maltratado coração. O lixo se acumulava pela casa, veloz como sua tristeza. Ficou semanas sem dormir, nem pôquer jogava mais.

Demorou para que Toninho voltasse a dormir. Mas não por muito tempo.

Uma gritaria infernal, e terrivelmente familiar, invadia seus tímpanos feito tortura chinesa, vinda do apartamento ao lado.

No dia seguinte mal conseguiu conter sua dor ao dividir o elevador com dona Elizabeth, a nova diarista do síndico do Paradiso.

 

ALEXANDRE CORREA LIMA| [email protected]

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