Que saudades eu sinto da minha avó. Principalmente quando ela tinha tempo pra ficar comigo. Lembro-me dos avós com tempo para serem avós. Bons tempos. O tempo passou, chegou a internet, e ela as redes sociais. Com elas a sociedade do desempenho, do consumo, a liquidez das relações.
Gil Vicente consolidou-se como um dos mais influentes autores da literatura luso-brasileira. Em seus autos e farsas, realizava críticas por meio de personagens alegóricos; por exemplo, as figuras mais velhas representavam a visão negativa que a sociedade tinha sobre elas, visto que sempre retratam elementos caóticos nos enredos. Desse modo, é possível inferir que, em uma sociedade imatura no assunto, o envelhecimento populacional representa verdadeiro obstáculo. Pois como conseguir valorizar os idosos em uma sociedade tão imediatista e tão focada na juventude? Como mostrar às novas gerações o verdadeiro valor da melhor idade?
Em primeiro lugar, vale apontar que, ao redor do quadro internacional, o aumento da população idosa ainda se revela como um paradoxo para a economia e, por conseguinte, para a política. Tal postura é observada porque, em termos gerais, essa porção da sociedade representa maior demanda de serviços públicos e menor contribuição de capital. Assim, é como se os governantes se deparassem com um futuro crítico e sem histórico de solução. Como resultado dessa impotência, observa-se negligência com essa camada social e a perpetuação de uma situação negativa. Observemos uma mídia focada na supervalorização da juventude e a crise da previdência. Desafios para nós, para os idosos e para as próximas gerações. Será que vamos conseguir o equilíbrio?
Além disso, o envelhecimento populacional também modela um novo mercado de trabalho, no qual existem desafios ainda pouco enfrentados. Em razão desse fenômeno de aumento de idosos, será consequente o aumento de choques de gerações em ambientes profissionais. Este cenário é nocivo porque, segundo Friedrich Nietzsche, entendemos como saudável apenas a convivência com nossos semelhantes. Em vez de buscar o crescimento complementar, é comum o aumento da competitividade exagerada e, então, do prejuízo da convivência e, até mesmo, da produtividade. Nosso desafio é aprender com os mais velhos e ensinar os mais novos a fazer o mesmo. Empatia por favor.
Portanto, para uma melhor adaptação ao quadro nacional da atual população, é necessário que haja comprometimento de diferentes setores. Governos, escolas, universidades, famílias e nós, principalmente nós. Que tal entender que a vida é um ciclo e que o aprendizado mútuo é importante. Aprender com a cultura oriental, a qual valoriza os mais velhos pode ser um caminho, pois o melhor que pode nos acontecer nesta vida, é ficarmos bem velhinhos e sermos cada vez mais amados. Por mais carinho com os avós.
Boa Leitura,
TMJ!
Raphael Haussman. É professor, Coach, consultor e apaixonado por educação e desenvolvimento humano e, ainda, pai da Raphaela e do Theo.
Nosso dicionário:
Sociedade do desempenho – Em seu livro “Sociedade do Cansaço”, Byung-Chul Han defende que a sociedade do século XXI é uma sociedade de desempenho. Segundo o filósofo, é preciso ter projetos, iniciativas, muita motivação, maximizar a produção, sempre, e quando não se consegue atingir as metas, muitas vezes autoimpostas, vem a sensação de fracasso, de estar sempre muito cansado.
Sociedade do consumo – O termo “sociedade do consumo” faz referência a um estado avançado da economia capitalista no qual o consumo torna-se parte fundamental das relações sociais.
Liquidez das relações – O termo faz referência ao conceito de “Modernidade Líquida”, cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o qual compara a inconstância das relações atuais aos aspectos de fluidos. Segundo Bauman, na atualidade nada é feito para durar, tudo é superficial e momentâneo.
Gil Vicente – Gil Vicente (Guimarães, Portugal, 1465 — Évora, Portugal, 1536) foi um poeta e dramaturgo português considerado o “Pai do Teatro Português”. Em Portugal, Gil Vicente foi a figura mais importante do humanismo literário.
Autos e Farsas – Autos e Farsas são tipos de poemas e obras de dramaturgia muito utilizados por Gil Vicente
Personagem alegórico – Uma personagem alegórica é a representação concreta de uma ideia abstrata e sem a intenção de atingir uma pessoa em específico. Por exemplo, o Anjo e o Diabo, alegorias do Bem e do Mal, na peça Auto da Barca do Inferno, são personagens alegóricas, sem nenhuma característica psicológica própria e sem intenção de atingir uma pessoa em particular.
Envelhecimento Populacional –
Melhor idade – Termo popularmente usado para fazer referência ao estágio da velhice.
Paradoxo – Trata-se de uma figura de linguagem que “funde” conceitos opostos num mesmo enunciado. Desse modo, o paradoxo pode ser descrito como a expressão de uma ideia lógica por meio do emprego de termos opostos entre si.
Crise da previdência – A crise da previdência é um fenômeno decorrente do envelhecimento populacional, uma vez que com o aumento de aposentados e diminuição da população jovem, o número de favorecidos está caminhando para superar o de contribuintes.
Friedrich Nietzsche – Friedrich Wilhelm Nietzsche (Röcken, Reino da Prússia, 15 de outubro de 1844 — Weimar, Império Alemão, 25 de agosto de 1900) foi um filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX.
Convivência – O dicionário define convivência como contato diário ou frequente.
Cultura Oriental – A expressão se refere às diversas culturas ou estruturas sociais e sistemas filosóficos da Ásia.
1 Comentário
Mas temos que lembrar que bandido também envelhece…
Existem lobos em pele de cordeiro!
Os jornais mostram isso todo dia!
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