Viaturas da PM que dão cobertura às blitzes do Detran não têm licença 2014

As blitzes do Detran em Volta Redonda e Barra Mansa não poupam ninguém. Até uma Kombi da prefeitura que presta serviços sociais foi rebocada. Marimbondos não podem ter sentimentos. Por isso deixaram dez crianças de 4 a 9 anos assando dentro de uma van escolar, com sede e fome, sob o sol do meio-dia da última quinta-feira. Marimbondos são implacáveis…
Nem tanto.
Se fossem realmente isentos e implacáveis teriam recolhido as viaturas da Polícia Militar que lhes fazem escolta. Estes carros estão tão irregulares quanto os dos cidadãos que os marimbondos perseguem: eles não têm licenciamento de 2014. Foram adquiridos em 2013 pela polícia e têm apenas a licença de 2013.
Que ironia: a PM não pode mostrar o “verdinho”(como chamam o documento do veículo) em dia.
Não rebocando os carros da PM o Detran e seus marimbondos agem com dois pesos e duas medidas. Criam uma casta (a dos que pagam impostos) para quem vale até mais do que a lei; e outra (os que ficam com os impostos) para a qual a lei não vale nada.
Na verdade, pelo princípio da igualdade, cada PM deveria pedir um guincho e mandar rebocar sua própria viatura.

E os marimbondos não têm carteira de agentes de trânsito

Finalmente os marimbondos do Detran começaram a mostrar a carteira funcional nas blitzes. A pressão funcionou.
Sabe-se, agora, que eles não têm a carteira de agente de autoridade de trânsito. Por quê? Porque nenhum deles tem cargo de agente de autoridade de trânsito.
A carteira que exibem ou é a identidade funcional do Estado ou uma carteira funcional (que parece novidade) do próprio Detran. E aí entra uma curiosidade: nestas carteiras funcionais não existe nem o cargo e nem a função do servidor.
Isso mesmo: não tem função na carteira funcional.
O agente de autoridade de trânsito tem poder de polícia. E em todos os casos em que o cargo possui tal poder é necessário que o mesmo conste da carteira de identidade funcional. Um detetive da Polícia Civil tem a palavra “detetive”no seu documento. Um auditor fiscal idem. E vai por aí.
Ou seja, nenhuma daquelas carteiras é de agente de autoridade de trânsito.
Para comprovar, este colunista anotou alguns nomes e matrículas de marimbondos. Dito e feito. Ocupam cargos de assistente administrativo, de informática e diversos outros – mas nenhum deles foi concursado como agente de trânsito ou ocupa esta carreira.
Imagine que chegue em uma empresa uma pessoa com a carteira funcional da Receita Federal dizendo que vai fiscalizá-la. Nada ali diz que ele é auditor fiscal. VO dono da empresa pega a matrícula do servidor e vê que é motorista da Receita. E ainda assim ele insiste em pegar a documentação contábil, dizendo que o chefe da Receita o nomeou auditor fiscal.
Você vai chamar a polícia e ela vai prender o motorista.
O caso dos marimbondos é parecido.
Só que a polícia está do outro lado, dando cobertura a eles.

Eles sabem que estão errados

Em 2006 o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) mandou a todos os Detrans recomendação para que seguissem o parecer 1206, exarado naquele ano pela Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades (com aprovação do Advogado da União).

O longo parecer termina assim:

– Ante o exposto, manifesta-se esta Consultoria Jurídica, sob as balizas fincadas no texto constitucional, especialmente no art. 37, inciso II e IX, no sentido de que não pode o poder público municipal contratar servidores públicos para o exercício das funções de “agente de trânsito”, sem a prévia aprovação em concurso público, seja na modalidade de cargo efetivo ou de emprego público, sob pena de nulidade do respectivo ato e punição da autoridade responsável, nos termos da lei, consoante prevê o § 2º do art. 37 da Constituição Federal.

Ou seja, a função de agente de trânsito requer cargo específico, só podendo ser ocupado mediante concurso.
Só o Detran do Rio de Janeiro não leu o parecer?

Um caso exemplar de como funciona

Aliás um caso curioso ocorreu com uma prefeitura do Rio Grande do Sul. O governo queria designar, como agentes de autoridade de trânsito, os fiscais tributários (que eram concursados, mas para o cargo de fiscal tributário) e motoristas (também concursados).
A prefeitura pediu um parecer para ao Conselho Estadual de Trânsito, que assim se posicionou:

– Na hipótese, se a Carta Magna exige carreira específica para o exercício da atividade de Fiscal Tributário, não deverá este servidor investido de características peculiares ser destinado para o exercício da função de agente de trânsito, que não demanda atributos típicos do cargo exclusivo de Fiscal Tributário.

E sobre os motoristas:

– Da mesma forma entende-se que sendo servidor concursado para cargo exclusivo, com atribuições próprias que não as genericamente administrativas, como, por exemplo, a de motorista, não pode ser designado para o exercício da atividade de agente de trânsito, pois seu cargo exigiu características peculiares que o agente de trânsito não requer. Então, o servidor investido em cargo próprio estaria sendo desvirtuado de sua função específica, o queria iria de encontro aos princípios da Administração Pública, principalmente o da legalidade, no momento que estaria afrontando a lei que exigiu características próprias para cargo específico.

Mas tudo isso parece certinho demais para quem acha normal que quem lhe exige a carteira dizendo-se agente de autoridade não lhe mostre a carteira provando que é.

E acha também normal que a polícia ande por aí em carros com licença vencida apreendendo carros com licença vencida.

PS: Esta coluna pesquisou, via Google imagens, viaturas da PM em diversos municípios do Estado. Não achou nenhum que tivesse o licenciamento em dia.

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