Martha Carvalho Rocha
Penso que tenho frases à beira de compor um texto. Sei não! Incrédula, então, tateando nas trevas, nesta casa onde rangem as ripas – atrevo–me!
Tento harmonizar-me ao verbo, penso em usar como de hábito, os tempos pretéritos, com genuíno fervor. No entanto, regida pela sensatez, acautelo-me!
Quero escrever um pequeno conto, visível a olho nu, ao tato simples e, levá-lo às últimas consequências, arranjar-me em trajes de gala e, com voz dolente, contar: Era uma vez uma tarde chuviscosa de coisas simples, sem muitos adjetivos e eu, comigo mesma, nas minhas andanças por caminhos tortuosos, envelhecendo um tanto quieta, outro tanto alerta. Modesta, limitada, secreta!
Com alargada a minha imaginação, que bem poderia ter alargado o verbo, tento vigorar-me na tragédia grega.
Eu, então, filtrada de antanho, estou aqui, no pouco de chão que tenho e que me basta! Eu, aldeã da minha própria aldeia e não me furtando desta devoção.
– Escute, querido meu, no meio da minha candidez, no meio das emoções reticentes, no silêncio repleto de vislumbres, no gozo estético, para que continuemos a nada entender, lembrar que: Eu era, você era, nós éramos e que, naquela hora sem luz – nós fomos!
Nós, tomados por uma canção imantada. Tomados pelo réquiem de Fauré, que você me levou na crueza daquela tarde carioca. Isto, quando reinavam soberbas a literatura e a psicanálise. Isto quando eram os anos setenta, depois de Cristo. Nós, sonhando ficar entre a montanha e o vale, numa fruição excessiva, melhor dizendo: nós nos amamos foi na sala de espera! Oh, dolorosa postura a nossa! Nosso temor, nossa timidez!
Restou-nos a cena emoldurada com cuidado fatal. Faltou você pegar-me com suas mãos, a harpejar-me. Foi! Mas foi, com significativo atraso.
E eu, agora, procurando-o, obstinada, nos jornais, nos livros, no mês de abril. Falando, é claro, já com menos eloquência, declamando a minha liturgias íntima – o meu monólogo interior.
Sei que todas essas coisas são ponderações livrescas às minhas quimeras. Pautada pela melancolia à elas, atribuo a singularidade dos ritos esquecidos. À Bíblia e seu poder narrativo.
Dou relevo ao sagrado e não me farto desta devoção.
Você, querido, foi o meu naufrágio e minha salvação!
Martha Carvalho Rocha