Escrava que foi separada da filha em Barra Mansa morre sem reencontrá-la

by Diário do Vale

Quando a festa de danças e cantorias varou os dias 13 e 14 de maio de 1888 em comemoração à assinatura Lei Áurea, no Centro de Barra Mansa, uma ex-escrava que já era livre há 11 anos esperava a realização de um sonho que acalentou desde antes da sua liberdade: trazer sua filha, ainda escrava em Bananal, para morar com ela na casa que havia comprado em Barra Mansa.

Era um trato feito entre as duas: quando os escravos fossem libertados, mãe e filha – separadas pela força da escravidão – iriam finalmente poder viver sob o mesmo teto. O momento havia chegado.

Esta mãe, Paulina Barbosa, planejou aquele dia pelo menos desde 6 de fevereiro de 1877, quando recebeu Carta de Alforria. Liberdade conquistada graças ao Fundo de Emancipação, através do qual o governo imperial comprava a liberdade de escravos em vários municípios. A liberdade de Paulina custou 600 mil réis.

Paulina era escrava doméstica de Anna Rita da Silva Monteiro, no Rio de Janeiro. Era casada com Thomas Barbosa, também escravo. Ele foi liberto primeiro. Paulina entrou na leva do governo que priorizava a compra da alforria de escravas casadas com homens livres. Tinha, então, 30 anos de idade.

Mas antes disso Paulina e Thomas, ainda escravos, tiveram uma filha: Elena Paulina Maria da Conceição. Já nasceu também escrava. Não se sabe exatamente as razões, mas o fato é que Elena acabou separada da mãe e foi mandada para servir na escravidão em Bananal.

O casal Paulina e Thomas, uma vez alforriados, parecem ter seguido um plano para ficar perto da filha. Foram para Barra Mansa, vizinha a Bananal. Conseguiram juntar dinheiro e comprar, em 1º de setembro de 1879, um terreno de 4,5 metros de frente e 55 metros de fundos, por 80 mil réis, na Rua da Misericórdia (atual Rua Dr. Pinto Ribeiro), em Barra Mansa. No local construíram uma casa coberta de telhas, o que não era pouca coisa para um casal recém saído da escravidão.

Não se sabe quando morreu o marido de Paulina, mas o fato é que no citado dia 13 de maio, no meio da festança, ela já havia perdido Thomas. Morava só. Mas tinha contato com a filha. Dá para imaginar a ansiedade e a alegria de uma mãe que, separada da sua filha criança, sabendo que a mesma vivia as agruras da escravidão, espera anos a fio pelo sonho de, livres, formarem um lar. E o sonho parece ter virado realidade.

Mas a festa acabou e a filha Elena não aparecia. Ela espera cinco dias e, então, decide enviar uma carta à filha:

“Minha filha, faz hoje 5 dias que estou esperando você, pois no dia 13 ficaram todas as escravizadas livres e você me disse que logo que isso acontecesse viria, e até agora estou esperando – que vou rezar uma missa por alma de seu pai, mas quero que você esteja cá”.

Naquela intuição de mãe, diz que se algo diferente acontecer, que pelo menos lhe avise: “Se não puderes vir já, manda me dizer e ansiosa espero sua resposta”.

A carta jamais chegou ao destino. A filha de Paulina não foi localizada.

Não se sabe o que houve com Elena. Tudo é possível. Alguns fazendeiros em Bananal chegaram a manter seus escravos mesmo após a abolição – em regime forçado. Elena pode ter ido embora. Pode ter morrido. Se menor de idade, pode ter sido “tutelada” pelo seu ex-senhor e obrigada a ficar lhe prestando serviços (um expediente muito usado por alguns fazendeiros da região com apoio de autoridades).

O que se sabe é que aquela mãe esperou meses por sua filha para com ela viver na pequena casa que construiu com o marido no terreno comprado com o dinheiro de suas economias.

O sofrimento de Paulina durou dez meses. Morreu em 25 de março de 1889, aos 42 anos, sozinha, ainda morando em uma rua chamada Misericórdia.

Se algum dia sua filha apareceu, não pode mais desfrutar do patrimônio da mãe.

É que quatro dias após a morte de Paulinha foi feita a arrecadação dos seus bens pelo capitão José Xavier Elísio da Silva Monteiro, ficando como fiel depositário. Um rápido chamamento de possíveis herdeiros foi feito por edital e, em seguida, foi procedido o inventário para os bens irem a leilão público. Já em julho, quatro meses após a morte da ex-escrava, o inventário estava pronto.

Do inventário constavam: uma casa coberta de telha, o terreno nela existente,  árvores frutíferas do quintal, um tacho de cobre, um molinete de mover cama e um serrote grande.

No dia 12 de agosto de 1889 tudo foi a leilão. O total arrecadado foi de 350 mil réis. Abatidas as despesas da burocracia sobraram 305 mil réis que iriam para os cofres do governo.

Faltava uma última despesa, porém. Em 16 de agosto, quatro dias depois do leilão, foi quitada a única dívida deixada por Paulina:  a do seu próprio enterro. O agente funerário cobrou pelo que forneceu: 2 mil réis em velas e 30 mil réis por  “um caixão de 3ª para seu enterro”.

O único bem recolhido de Paulina que não foi a leilão, por óbvia ausência de valor comercial, foi o que talvez fosse a ela mais caro: a carta que escreveu para a filha Elena.

Processo de Paulina está no Forum de Barra Mansa

O processo do espólio da escrava Paulina Barbosa está arquivado no Forum de Barra Mansa. Este documento foi achado pelo historiador barramansense Alan Carlos Rocha, há cerca de 15 anos. Alan, que morreu em novembro de 2010, era um dos maiores conhecedores da história de Barra Mansa.

No Forum de Barra Mansa, a carta de Paulina para a filha é exibida em um mostruário de vidro, com outros documentos históricos, no saguão do prédio . Há um pequeno texto sobre o caso de Paulina, feito pelo próprio Alan Carlos. Fora isso, nada sobre a história da ex-escrava é encontrado nem mesmo na internet. E foi principalmente a partir dos documentos deste processo descoberto por Alan Carlos Rocha que o DIÁRIO DO VALE conseguiu os detalhes da história de Paulina, com esta publicação inédita.

Detalhe: O Forum está em reforma no momento, com o mostruário guardado em local próprio, devendo logo retornar ao saguão principal.

 Carta de Paulina para a filha Elena

carta

Minha Filha Elena Paulina Maria da Conceição

Barra Mansa, 19 de maio de 1888

Minha filha, faz hoje 5 dias que estou esperando você, pois no dia 13 ficaram todas as escravizadas livres e você me disse que logo que isso acontecesse viria, e até agora estou esperando – que vou rezar uma missa por alma de seu pai, mas quero que você esteja cá.

Se não puderes vir já, manda me dizer e ansiosa espero sua resposta.

 Sou tua mãe,

 Paulina Barbosa

carta afloria

Carta de Alforria da Escrava Paulina, datada (ao topo) de 6 de fevereiro de 1877

Por Aurélio Paiva

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8 comments

João Marcelo Ramos 12 de maio de 2015, 20:14h - 20:14

Grande conhecedor , pesquisador e divulgador da história de Barra Mansa, Alan Carlos Rocha foi um dos filhos que mais amaram esta terra e hoje , passados quase 5 anos de sua morte, sequer é lembrado pelas autoridades locais.

Amanda Santos 11 de maio de 2015, 12:48h - 12:48

Uma das maiores vergonhas do Brasil foi a Escravidão…

Evandro Damião 11 de maio de 2015, 01:04h - 01:04

A explicacao é que a lei do ventre livre dizia que os filhos dos escravos nascidos “livres” ficariam sobre a tutela dos seus senhores até completarem 21 anos (Brasil sendo Brasil) ou seriam entregues ao governo. Ou vocês acham que as crianças nasciam livres e eram soltas nas matas? Kkkkk. Nasciam livres mas eram escravos até os 21 anos. Só no Brasil mesmos…

Evandro Damião 11 de maio de 2015, 01:06h - 01:06

O correto é sob tutela

alguem 10 de maio de 2015, 20:22h - 20:22

O POUCO QUE EU ENTENDO DA HISTORIA E ISTO A LEI DO VENTRE LEI AUREA EO ESCRAVO ESTAVA LIVRE,AGORA FICO SABENDO QUE,COM APOIO DAS AUTORIDADES O ESCRAVO ERA MANTIDO,….COMO DISSE NOSSO COLEGA, DE OLHO, O BRASIL E BRASIL DESDE DE 1500,VAI CONTINUAR PORQUE INFELIZMENTE SOMOS UM POVO MUITO PASSIVO COM AS COISAS ERRADA.

josé antônio cevidanes 10 de maio de 2015, 15:14h - 15:14

COMO PODE A FILHA DE PAULINA TER CONTINUADA COMO ESCRAVA SE A LEI DO VENTRE LIVRE FOI PROMULGADA ANTES DA LEI ÁUREA?

De olho 10 de maio de 2015, 18:40h - 18:40

Fácil resposta… Brasil é Brasil desde 1500 aos dias atuais…

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