Tom Wolfe, o criador do “New Journalism”, morreu esta semana, em Nova York aos 88 anos depois de deixar sua marca no jornalismo americano do século 20. Conhecido pelo humor que introduzia em seus romances-reportagens, ele ficou famoso fora das redações pelos livros que foram adaptados para o cinema. Como o romance “A fogueira das vaidades” e o livro “Os Eleitos”, um retrato implacável e divertido dos pioneiros americanos do espaço sideral.
O estilo de Wolfe, copiado por muitos outros autores americanos, consistia em tratar a realidade como se ela fosse ficção. “Os Eleitos” é um bom exemplo. O livro é uma grande reportagem sobre o início do programa espacial americano, escrita como se fosse um romance. Onde o leitor conhece cada personagem e acompanha os fatos em ordem cronológica, aguardando o final mesmo sabendo que se trata de algo que já aconteceu na vida real.
Wolfe usava uma técnica que ele chamava de “reportagem saturada”. que consistia em acompanhar o entrevistado por longos períodos de tempo, até capturar a essência dessas pessoas. “Você tem que ficar muito tempo ao lado das pessoas sobre as quais está escrevendo, até surpreender cenas reveladoras sobre suas vidas” disse uma vez. O que convenhamos é o contrário do jornalismo investigativo e apressado que era praticado na maior parte das redações, quando Wolfe foi trabalhar no The Washington Post. O “New Journalism” do Wolfe só é viável no caso do jornalista que tem tempo de passar meses acompanhando uma história e não luta com um prazo para entregar seu texto. É ótimo se você vai escrever um livro, uma biografia, mas impraticável no dia a dia das redações.
Foi graças a esta técnica que Wolfe derrubou o mito de que os astronautas eram pessoas robotizadas e sem sentimentos, uma imagem falsa que predominou na imprensa na época da corrida espacial dos anos de 1960. Os astronautas não confiavam na imprensa e ficavam mudos sempre que um jornalista se aproximava deles. Eles só se abriam com seus biógrafos, as pessoas que eles escolhiam para narrar suas vidas.
Em 1968, uma jornalista italiana tentou acompanhar o dia a dia dos homens da Apollo 11, eles a receberam com frieza, se fecharam. E ela concluiu que eram robôs, totalmente sem emoções.
Wolfe soube conquistar a confiança desses homens e de suas famílias. No início ele queria escrever apenas sobre os sete homens do projeto Mercury, os primeiros americanos que foram ao espaço entre 1961 e 1963. Então ele ouviu falar nos pilotos de provas dos primeiros aviões supersônicos, homens que ficaram na obscuridade, ofuscados pela fama dos astronautas. Eles é que deveriam ter sido os primeiros a ir ao espaço, se o governo não tivesse optado pela solução mais fácil, das cápsulas balísticas no lugar das aeronaves orbitais.
Wolfe foi atrás desses homens, que viviam na Califórnia, na costa oeste dos Estados Unidos, bem longe dos holofotes de Cabo Canaveral, na Florida. Transformou Chuck Yeager, o primeiro piloto a romper a barreira do som, no personagem principal da história.
O livro virou filme em 1983, sob a direção do cineasta Philip Kaufman. É um ótimo filme, bem divertido e com uma boa reconstituição de época. Mas o livro de Wolfe é muito melhor. Logo nas primeiras páginas ele consegue envolver o leitor no perigo constante, na ameaça de uma morte horrível com que conviviam esses pioneiros do espaço. O projeto Mercury era uma atividade perigosa, mas nenhum dos seus pilotos morreu no espaço. Já os aviões supersônicos eram muito mais perigosos, e a taxa de mortalidade entre os pilotos era mais alta do que entre os aviadores em missões de guerra.
Wolfe é outro daqueles pensadores do século vinte que vai fazer muita falta neste novo milênio, mas cujo trabalho será sempre uma fonte de inspiração.
Jorge Luiz Calife
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2 comments
Tom Wolfe também descreveu com perfeição a relação entre o PSOL e a elite rica de esquerda do Leblon no livro “Radical Chic”, antes mesmo da criação deste partido. Que ele descanse em paz!
Vá se tratar, VR tem bons médicos kkkkkkkkk
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