Época de goiaba, época de muita chuva. No Rio Paraíba que passava nos fundos da casa da minha avó paterna havia até a famosa enchente das goiabas, quando o rio transbordava.
Mesmo muito cheio, íamos às ilhas buscar goiabas e voltávamos com as canoas repletas. Ficava faltando uns quatro dedos, de adulto é claro, para a água entrar na canoa.
Agora era despejar, lavar as frutas, separar as mais bonitas para o doce em calda: descascávamos bem fininho, aproveitávamos as cascas para o doce de corte, partíamos ao meio, para o de calda e guardávamos os caroços para a geleia.
O de calda era feito em tachos menores, com cravos e sem canela. Minha avó só gostava de canela em pau em doces que levavam leite. Os vidros para as compotas já estavam fervidos. Ficavam lindos depois de cheios. Iam para as prateleiras dos porões da casa. Pena que não tínhamos, como hoje, o hábito da fotografia.
Depois, acendíamos o fogão à lenha maior para o doce que se chama de cascão. Assim que ficava pronto, no ponto ideal, era despejado nuns quadrados de madeira, que já estavam forrados por papel transparente, como estes que envolvem maços de cigarros. Embrulhados e frios, pesavam certinho, um quilo cada. Lindos, com um vermelho que encantar. E o cheiro? Ah, este fica para o resto da vida na memória.
Agora era a vez da geleia. Separávamos os caroços sãos, sem bichos, e colocávamos no taxo menor, Cozinhávamos os caroços e, depois de frios, passávamos na peneira para tirar as sementes. Minha avó colocava o açúcar. Geleia não leva nem cravo nem canela, nos ensinava ela, tudo com muito amor.
A geleia também ia para vidros preparados. Comíamos em biscoitos e pães.
Depois que o porão estava repleto para o ano todo, vinha à vaidade por ter feito um trabalho tão cheio de mais amor que propriamente açúcar.
Este se tornava um detalhe diante de tanto sentimento.
Era a festa da família como tantas outras. Havia a do doce de manga, o “inholim”, do nhoque e de tantas outras invenções que, no fundo no fundo, eram só pretextos para está família se reunir, feliz, sem necessitar de nada de extraordinário, a não ser: AMOR.
Mexíamos os doces, mexendo nos corações o amor que sentíamos uns pelos outros. Admirávamos somente as nossas e as dos outros, qualidades.
Não me lembro de falta de qualidades serem comentadas por ninguém. todo mundo era bom em alguma coisa. Um tio era mestre em pescar lindos peixes no Paraíba não poluído da época.
Degustávamos maravilhosos peixes assados e recheados.
Meu avô, além de excelente agricultor, caçava sempre. Comi paca, capivara e outras carnes diferentes maravilhosamente feitas por vovó: uma das cozinheiras mais divinas que já conheci. E não havia programas de culinária, como hoje, na TV.
Ela dava seu próprio show, criando comidas de sabores divinos que ficaram na memória da família para sempre. Comida une famílias, faz mais amor, dá alegria, alimenta a felicidade.
Mexer o doce meche os sentimentos bons.
Ernani Mazza |[email protected]