Crônica: O homem que não sentia

by Diário do Vale

– Não me incomodes novamente, deixe-me comigo. Por acaso não me ouviste falar, saia, sua presença não é bem vinda.

Estava ele dizendo para a sua própria sombra.

Aos poucos isso foi tomando forma, precisamos voltar há uns 25 anos atrás para entendermos o que está acontecendo. Esse homem vivia com sua mulher e seus dois filhos, era uma família daquelas perfeitas; sua mulher era administradora de empresa, seus filhos seguiam muito bem na escola e para eles já estava tudo encaminhado. Ele era psiquiatra.

Todos os dias saía cedo de casa para ir ao seu consultório, atendia em média cinco pacientes por dia, cada um com seus problemas e particularidades. Atendia poucos por dia, pois dizia ser bastante cansativo e enfadonho ouvir por demais as pessoas, principalmente quando se tratava de problemas psíquicos.

Numa semana apareceram em seu consultório duas pessoas que suas histórias o intrigaram muito. A primeira foi uma moça de 24 anos de idade, fora levada pelos pais, pois os mesmos já não sabiam mais o que fazer. Sua história para o médico:

– Doutor, meus pais não entendem; eu não faço nada de mais, é que eu não gosto de sair de casa, acho que eu tenho tudo que preciso lá dentro. É que não gosto muito de me relacionar com as pessoas, não sinto falta. Quando muito, falo aqui pelo holograma, veja só. Sabe Doutor, eu também não consigo sentir medo, nem raiva, nem ódio, tristeza; nenhum sentimento que seja mau. Isso é ruim? Acha que eu realmente tenho algum problema?

Aquilo o intrigou muito, mas nada a respondeu, disse apenas que ia pesquisar e na próxima consulta seguiria. Na mesma semana apareceu o outro paciente, um homem de 51 anos de idade. Chegou, mas não sabia muito porque estava lá, já foi logo dizendo para o médico que não precisava de ninguém. Ele o bastava. O Doutor vendo a situação logo de inicio já indagou o jovem senhor:

– Mas que isso! Então o senhor não ama ninguém? Não, aliás, já quero que o senhor saiba que eu não consigo sentir nada de bom. Isso é um problema?

Nada também respondeu na hora. O tempo passou, o médico foi aos poucos tratando os dois, com conversas e medicamentos. Eles foram voltando a uma vida ativa normal, seus sentimentos foram aflorando até que houve um equilíbrio entre eles.

Toda essa situação e indagações tão fora do comum mexeram muito com o médico, ele por sua vez não pediu ajuda para ninguém. Com o passar do tempo e à medida que atendia esses dois pacientes ele ia se afastando mais e mais de tudo e de todos, dizia ele estar se dedicando realmente ao que interessa; a racionalidade. Ficou nessa situação durante um tempo, percebeu que estava completamente sozinho, e que havia absorvido tudo o que ele tinha tratado dos outros dois pacientes há algum tempo. Mas disse ele para sua sombra:

– Assim pelo menos não teremos problemas, pois tudo o que os causa são esses pobres sentimentos.

Já basta, agora me deixe. Ser ou não sentir, o que você escolheria?

Geisler Vanil Alves da Silva/ [email protected]

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2 comments

LUIZ MOREIRA 21 de abril de 2015, 14:02h - 14:02

>>>>>>>PIOR SAO AS PESSOAS QUE ADOTAM ESTE ESTILO DE VIDA E FAZEM DELE A BANDEIRA DA VERDADE DIVULGANDO-O

GUEVARA 20 de abril de 2015, 17:51h - 17:51

É o niilismo aflorado. De fato, a vida, em si, é um vazio intragável. O ser humano, quando sozinho e pensante, chega a conclusão nefasta de que, objetivamente, não precisa, ou melhor, não depende de ninguém para conviver: a sua sombra pode ser o bastante!. A subjetividade humana é a responsável pelo nosso sofrimento diário.

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