Geisler Vanil
Havia uma casa grande, toda organizada e programada para funcionar da melhor forma possível, construída intencionalmente para facilitar a vida de seus moradores. Tivera sido feita com muito esmero, e não foi feita na rua dos bobos, pelo contrário. Foi algo estrategicamente pensado para afastá-la da grande massa. Seu dono na ocasião pensava na não chateação do povo a toda hora a sua porta. Seu arquiteto atendeu o seu pedido e fez uma exuberante construção, caprichou nas estruturas, colocou alguns monumentos à sua volta, mas esqueceu de pensar na mobilidade de seus moradores quanto a logística de sua locomoção pelo entorno da cidade.
No seu interior, tinham convidados agradáveis e outros terrivelmente horríveis. Ali todos gostavam de gatos, talvez pelo número excessivo de ratos que rondavam aquele ambiente; os ratos saiam e entravam naquela casa como se estivessem desfilando em alguma passarela. Os gatos alguns esboçavam reação contra alguns ratos, mas outros corriam de medo em vista do tamanho da ratazana.
Passado os anos, os gatos aprenderam a sobreviver em harmonia com os ratos. Diziam os gatos:
– Ora, devemos aprender a lidar com as diferenças, o que não nos mata, enriquece. Os ratos por sua vez, não respeitavam o ambiente, estragavam tudo, e por onde passavam urinavam e defecavam. E sequer se importavam com as diferenças, eles só tinham uma única preocupação: consigo próprio.
Os ratos se acharam tão à vontade, que resolveram criar um regime e agora eles mandavam. Os felinos eram os seus serviçais e os donos da casa eram uma espécie de mordomo. Agora eles ditavam as regras, se reproduziam aos montes e ocuparam todos os espaços. Se alguém dos seus criados pensasse de outra forma, logo vinha à repressão e a chantagem, vou lhe passar leptospirose.
Por onde se imaginasse eles estavam, saiam de todos os cantos e de cada buraco improvável de se esconder. Exigia alimentação requintada, queijo suíço, torta Golden Bon Vivant, trufa Madeleine, carne Kuroge Wagyu… e quando os seus funcionários exigiam o que comer, davam-lhe um trocado qualquer. E eles diziam:
– Mais isso é muito pouco, não dá para fazermos nada, se quer dá para nos alimentarmos direito.
E eles sempre olhavam com uma cara de ironia e respondiam:
– Olham, vocês devem agradecer a Deus por terem esse pouco, em outras casas pelo mundo afora que conhecemos nem isso eles têm pra dar.
Então todos sempre com tamanho sentimento de culpa, saiam de cabeças baixas consternados com o pouco que tinham.
Os gatos exigiam então que eles investissem em educação e principalmente em saúde, e os ratos sempre inventavam uma desculpa e saiam pela tangente. Quanto a valoração dos gatos mais inteligentes e que se destacavam em alguma área, era desdenhada! Em contrapartida para acalmar a massa e criar ilusão aos seus olhos, premiavam analfabetos funcionais com medalhas de honra e jogadores com medalhas de intelectuais.
O que acontece nessa casa é uma inversão. Os gatos desconhecem a força que tem então os ratos deitam e rolam.