
Uso excessivo de telas tem tornado a infância de muitas crianças menos saudável – Foto: Depositphotos
País – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta segunda-feira (13) uma lei que proíbe o uso de celulares e dispositivos portáteis em escolas públicas e privadas de todo o país. A regra, válida para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, proíbe o uso desses aparelhos mesmo durante o recreio e os intervalos, permitindo exceções apenas para fins pedagógicos, situações de emergência ou acessibilidade de estudantes com deficiência. A proposta ainda será regulamentada pelo Ministério da Educação.
Durante coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, o ministro da Educação, Camilo Santana, destacou que os números levantados pelo Ministério mostram que as crianças e adolescentes brasileiros têm uma grande dependência de celulares e outros dispositivos com acesso à internet. Segundo ele, o Brasil está em segundo lugar, no mundo, em tempo de acesso à internet, ficando atrás apenas da África do Sul. No Brasil, o tempo médio que uma pessoa fica conectada à rede mundial de computadores é de 9h.
Além disso, ainda segundo Camilo Santana, 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos usam dispositivos eletrônicos e 98% têm acesso à internet através do celular. Segundo o ministro, os dados, obtidos através de estudos científicos, justificam a decisão do governo. Para ele, é preocupante que 67% das crianças até 10 anos tenham celulares próprios.
O presidente Lula, por sua vez, destacou que a lei foi aprovada pela Câmara de Deputados e pelo Senado Federal, com votos de políticos de direita e de esquerda. “Foi um ato de coragem como poucas vezes na história do país. Esta sanção é o reconhecimento ao trabalho de pessoas sérias que se dedicam à Educação. Um ato de cidadania e de respeito ao futuro desse país”, declarou.
Vício em telas
Para a psicóloga Amada Ayres, docente do Centro Universitário de Barra Mansa (Nova UBM), o impacto real dessa restrição só será sentido se houver um esforço conjunto entre escola e família. Segundo ela, que concedeu entrevista ao DIÁRIO DO VALE, o papel dos pais é crucial para o sucesso da iniciativa e para o combate ao vício em telas, que afeta cada vez mais crianças e adolescentes.
A especialista explica que o uso excessivo de celulares pode trazer sérios prejuízos à saúde mental e ao desenvolvimento das crianças. “Tem uma questão biológica e uma questão comportamental. Em termos de biologia, a gente sabe que a exposição a telas atrapalha a produção de melatonina, que é um hormônio que regula o sono. Temos cada vez mais crianças ficando mais tempo em exposição, com o sono sendo atrapalhado e a qualidade desse sono sendo alterada. Se nós, como adultos, já ficamos mal-humorados, irritados por conta de uma noite mal dormida, imagina uma criança, um adolescente em época de escola, por exemplo”, disse a psicóloga.
Amanda salienta que, no aspecto comportamental, os impactos não são menores. “A criança que tem muita exposição às redes pode ter problemas. Desde uma facilidade em se irritar por conta de frustração – já que não sabe lidar com frustrações, e com a espera. A criança, por exemplo, pode não saber o que é passar pelo tédio, ter que inventar uma brincadeira para passar o seu tempo, porque nas redes sociais, na tela, tem o conteúdo que quiser, na hora que quiser, do jeito que quiser”, acrescenta a psicóloga.
Para identificar quando o uso de telas está ultrapassando o limite saudável, Amanda Ayres sugere observar o comportamento das crianças. “São crianças mais agitadas, que não sabem lidar com a frustração, que são muito irritadas, que querem tudo para ontem. A gente já lida com uma geração mais imediatista. Muito desse imediatismo pode ser uma consequência do uso das telas, por justamente você não precisar esperar. Crianças também têm apresentado distúrbios de comportamento”, explicou.
Além disso, Amanda destaca que limitar o tempo de exposição é fundamental. “O tempo saudável para uma criança de cinco anos, se tem acesso a telas hoje, é de até uma hora e meia por dia. E a gente sabe que, hoje, tem bebês que ficam expostos a telas por muito tempo.”
A psicóloga frisa, ainda, que a solução começa dentro de casa, com o envolvimento e o exemplo dos próprios pais. “Essa criança não vai ter uma resposta de dependência do uso de tela na escola. Ela já é dependente em casa, e não estou culpabilizando os pais, porque às vezes a gente precisa das telas, sim. Não estou demonizando o uso delas. Agora, tem que começar de casa. Essa lei vai ajudar principalmente os professores, acho que isso vai ser melhor para eles, que vão conseguir levar as crianças a terem um melhor aproveitamento dentro de sala de aula”, afirmou.
Ela também chama a atenção para o impacto do comportamento dos pais. “A quantidade de tempo que o pai e a mãe ficam expostos à tela vai impactar o comportamento da criança. A criança aprende por exemplos. Tem que ter um limite, tem que ser conversado esse limite, para que a criança ou o adolescente possa chegar a uma conclusão, junto com os pais.”
Mais do que impor regras, Amanda acredita que os pais devem construir limites por meio do diálogo. “A autoridade é dos pais. Quanto mais cedo os pais começam a colocar limite, estar mais presente na criação da criança, melhor. Porque a tela está substituindo a brincadeira, está substituindo a rua, está substituindo até o ato de jogar videogame”, pontua.
A psicóloga também alerta que as consequências do uso desenfreado das telas podem ser sentidas em longo prazo. “Acho que vamos começar, com essa próxima geração, a ver as consequências negativas dessa exposição desenfreada às telas. A gente sabe que, às vezes, o ser humano só muda o seu comportamento – e olhe lá – quando começa a perder, quando começa a ver as coisas ruins acontecendo.”
Amanda Ayres destaca que o uso da tecnologia não deve ser demonizado, mas precisa ser controlado. “A conexão está aí, as redes estão aí. A gente precisa tentar entender o porquê de essas crianças cada vez mais estarem expostas a telas. Tem que haver um tipo de regra que facilite as duas partes, tanto a família quanto a criança ou o adolescente”, conclui.