Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi

by Paulo Moreira

A democracia é um jogo de cooperação e oposição. Com jogadas entre contrários. No certame de cooperação, as regras são a persuasão, a negociação, os acordos, a busca de espaços de consenso. Já no jogo de oposição, procura-se medir forças, confrontar o adversário, provocar tensões, desgastar, impor a vontade pela força. Ultimamente, o jogo das oposições não tem sido bem jogado, tanto em função da derrota por elas sofrida no último pleito como pela reclusão do seu principal jogador, o ex-presidente Lula.
Mas no Brasil, as manobras divisionistas acabam se superpondo às táticas de cooperação e é por isso que o país anda devagar. Veja-se esse início de governo Bolsonaro. Pela extraordinária vitória obtida por ele, as reformas – inclusive a Previdenciária – deveriam estar, a essa altura, em estado bem adiantado. Ao contrário, caminham devagar, a passos lentos, quase parando.
E não se pense que esse andar de tartaruga se deve à oposição, aos chamados partidos de esquerda, PSOL, PT, PSB. O confronto mais forte provém de grupos incrustados nas entranhas do próprio Governo. Os partidos do centrão, todos com um pé atrás, olham para onde caminha o governo, lutam por espaços de poder e influência. E haja desconfiança. O que se vê é um jogo de soma zero. Ao avanço do governo, um recuo da base parlamentar.
Pinço a concepção do sociólogo Carlos Matus, em seu ensaio Estratégias Políticas. Impera entre nós o estilo chimpanzé de fazer política. Que se baseia no projeto de poder pessoal, de rivalidade permanente, de hierarquização de forças. Cada partido quer ser melhor e com mais força que outro. Já o presidente Bolsonaro e seu entorno militar parecem optar pelo modelo Maquiavel, onde o personalismo do Príncipe, eixo do sistema, se subordina a um projeto de Estado. Construir um Estado de Direita.
Presenciamos uma luta entre os dois estilos. De um lado, os políticos, inspirados no lema “o poder pelo poder”, usam a arma do voto no Congresso para atingir o objetivo de preservar e ampliar territórios. Disparam processos de tensão, ameaçam o Governo com retiradas de apoio, buscam coalizões entre eles. Assim, a natureza política se assemelha ao instinto chimpanzé, para quem a luta tem como foco a conservação da própria espécie (“o fim sou eu mesmo”). Representar o povo? Ah, quimera.
Já o presidente Bolsonaro está mais para o estilo maquiavélico. Seu discurso é claro: ele não é o projeto – o projeto é o Brasil, mas construir a Pátria que o povo quer só será possível com ele. Todos os meios devem se adequar ao objetivo: livrar o Brasil das esquerdas, do PT, do comunismo, das forças que atrasam o país. Ele só vê amigos nos aliados militares, nos grupos evangélicos, nos núcleos de direita, nas massas de apoio e nos filhos. Todos os outros são inimigos.
Tudo deve ser sacrificado pelo projeto. Para governar, a conduta maquiavélica acabará fazendo concessões ao estilo chimpanzé dos políticos, com estes abocanhando fatias de poder. Basta esperar. O presidente alimenta suas bases sociais incentivando-as a perfilar ao lado das reformas.
Nas margens da sociedade reina um clima de expectativas. Os pobres não têm munição para fazer guerra. Grudam-se ao Bolsa Família. Os marginalizados recebem o pão, cultivam laços de amizade entre si, buscam cooperação. E têm a honestidade como valor. Os necessitados são mais afeitos ao estilo Gândhi. Vivem expectativas, enfrentam dissabores, as tragédias do cotidiano, as chuvas destruidoras. Choram a morte dos seus, depositando sua fé no divino, indo às igrejas, rezando, implorando aos céus.
É assim que o país está fatiado: entre Chimpanzé, Maquiavel e Gândhi. Os tempos exigem diálogo, elevação dos espíritos, negociação, convivência, um pacto por causas coletivas, coisa difícil ante a onda chimpanzé que se alastra.
Mas o Brasil carece muito do estilo Gândhi. Assim, os cidadãos sentiriam mais vergonha de cometer atos ilícitos. O fato é que a sem-vergonhice aplaude o estilo chimpanzé. Sob as bênçãos de Maquiavel.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

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7 comments

Alzheimer 27 de abril de 2019, 21:17h - 21:17

Engraçado, não conseguem defender o bostonauro sem citar o PT,estranho !!!!!!!!!

Criminal minds 26 de abril de 2019, 15:59h - 15:59

Piano de nota só,esse cara é um débil mental.

guto 25 de abril de 2019, 18:52h - 18:52

A queda de Dilma Roussef traz uma interpretação inédita e reveladora da crise política que paralisou o Brasil e culminou com o impeachment da presidenta da República. Em essência, Dilma Roussef foi derrubada por não colocar em prática ‘O Príncipe’, o manual do poder escrito por Maquiavel. Na obra de 1513, o pensador italiano listou os mandamentos – alguns moralmente questionáveis – que o político precisa seguir para conquistar o poder e governar sem sobressaltos, como “faz as maldades de uma só vez e as bondades a conta-gotas” e “torna os teus aliados dependentes de ti”. A queda da Dilma esquadrinha todos os movimentos da presidenta desde a reeleição até o impeachment e constata: ela fez exatamente o oposto de tudo aquilo que Maquiavel ensinou.
Hoje, Dilma está numa passeata nas ruas de Buenos Aires pedindo “jararaca livre” e prisão dos assassinos da Mariele Franco! Ela viaja no mundo inteiro e no Brasil todo, usando o dinheiro do contribuinte, pois a uma lei maluca que diz que ex-presidentes tem esse direito!
Agora eu pergunto para o leito do D.V: Essa lei não poderia ser revogada para presidentes impichados?!

Marcelo Bretas 26 de abril de 2019, 14:31h - 14:31

Mirian Leitão do DV, no “Príncipe ” de Maquiável não descreve negociar com um corrupto dono de outros duzentos e noventa corruptos. Dilma caiu por não negociar com Eduardo Cunha. Acorda!!! Se ela negocia os dois votos no comitê de ética que livrariam ele da cassação e teria chegado até o final do mandato. Por pior que tenha sido seu governo, ela não é e nunca foi desonesta. E para isso mantiveram os direitos políticos dela mesma sendo inconstitucional. Uma pergunta, quando você vai parar de falar do PT, Lula e Dilma e passará a falar do despreparado do Mito e do seu governo que ajudou a eleger?

guto 26 de abril de 2019, 17:44h - 17:44

Você diz que Dilma Roussef é honesta?! Onde você estava nos últimos dez anos?! Em Marte, na Lua? Todas as pessoas sabem que Dilma é desonesta, só você que não!
Quem manteve os direitos políticos dela não foram gente de bem, mas quem estava conduzindo o processo de Impeachment, ou seja, o deputado corrupto Renan Calheiro e o juíz Ricardo Lewandowski, ambos amigos e defensores do Lula! Por isso que eles não obedeceram a Constituição e mantiveram os direitos políticos da desonesta!
Eu vou parar de falar do PT, Lula e Dilma quando não houver mais pessoas como você, o grande Satã, a geninha, o Paulão, el diablo, etc… defendendo o governo que mais roubou o Brasil, ou seja, o governo do PT!
O que dizer daqueles que defendem o governo corrupto do PT, que governou o Brasil durante 15 anos e ataca o governo não-corrupto do Jair Bolsonaro, que só teve 100 dias de governo e já é julgado como se estivesse no governo por 2 anos?!
Como diria Albert Einstein: “Há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana!”…

Ximbica 26 de abril de 2019, 19:11h - 19:11

Doentes !!

Paulão 25 de abril de 2019, 11:50h - 11:50

“Extraordinária vitória obtida” pelo Bolsonaro? Um terço dos eleitores aptos a votar no 1°. turno, o que se equipara ao seu índice de aprovação atual. Os que votaram nele só no 2°. turno eram apenas contra o outro candidato e não acreditam no governo do ex-capitão, apenas “engolem”. Os dois terços restantes são os que se abstiveram, somados aos que votaram branco ou nulo e nos demais candidatos.
Diante desses números, da eleição e das pesquisas sobre o governo Bolsonaro, os “chimpanzés” sabem como ganhar território e os “Gandhi” aguardam. Já “maquiavélicos” só se for na equipe do governo, pois o chefe deles não tem a mínima a ideia do que tem que fazer.

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