Ernani Mazza
Interpretar o que o outro quer dizer de verdade é muito difícil. Outro dia, conversando com um amigo casado com mulher chata e feia, ele disse:
– O dia que a Astrogilda morrer, nunca mais eu caso.
Confesso que dali para frente desencadeei um turbilhão de pensamentos a respeito.
O primeiro que veio a minha mente era que ele andava torcendo para a infeliz morrer e não tinha coragem de separar. Depois, pensei que ele seria até capaz de matar, mas separar não. Foi quando ela, a Astrogilda, chegou da sacada da casa e, nos vendo conversar, gritou:
– Cumé que é, vai ficar a tarde toda aí de papo? Tá na hora do café, tu não vai buscar o pão e fazer o café não, pô?
Ele, nem olhou para cima, pelo contrário, envergonhado, olhou para baixo e me disse:
– Vamos comigo ao mercado comprar pão? Aí podemos conversar mais. Não converso com ninguém. Minha mulher espantou meus amigos todos.
Eu não ia não, mas só para azucrinar a chata da mulher dele, resolvi ir e fazê-lo demorar bastante. No caminho, arrastei-o para tomar uma gelada, já que o calor estava a mais de duzentos graus de sensação térmica. Ele, amedrontado, aceitou:
– Mas só uma e tem que ser rápida.
Puxei uma cadeira numa mesinha e ele:
– Não, vai em pé mesmo, no balcão.
Insisti e acabamos sentados. Bebeu tão rápido que tive que pedir mais uma. Já entusiasmado, bebeu mais devagar com cara de “quero que a Astrogilda se f…”. Fiquei feliz por fazer aquele bem ao meu amigo e pedi a terceira. Desceu redondo e eu mandei fazer uns petiscos para acompanhar o papo. Até uma bunda que passou, bonita e balançando, ele comentou. Dava dó. Acho que não olhava para uma bunda alheia há muito tempo. Incentivei:
– Cara, isso é de fazer perder o rumo.
Meio sem graça, Jair, o marido infeliz de Astrogilda, disse:
– Há dez anos to num rumo só. Acho que nem sei me perder mais por aí.
E o papo ia de vento em popa. Falamos de bundas, rumos, liberdade, etc. Até que ele, já meio zonzo pela falta de costume de tomar umas e outras avistou de longe Astrogilda. Grande, gorda, de vestido vermelho com enormes flores brancas, comprido até os pés, gingando devagar as banhas, com uma cara de mãe que pega o filho num flagrante horroroso. A impressão que tive é que ele ia correr. Se corresse, juro que, em solidariedade, correria junto. Mas não deu para correr. Ela parou em frente à nossa mesa e:
– Puta que o pariu, Jair, tem duas horas que tu saiu pra comprar o caralho do pão e do pó e eu com a água fervendo lá te esperando. Tu aí, com este aposentado de merda, solteiro que não tem ninguém pra dar satisfação.
O aposentado era eu, que não mexia um músculo, acovardado pelos berros da dona Astrogilda. Só imaginando como é que alguém se casa com uma mulher tão feia e esquisita como aquilo. Fiquei com mais dó do meu amigo humilhado ali na frente de todo mundo. Ainda mais uma dona com este nome esquisito.
Ele levantou, ameaçou a pegar a carteira para rachar a conta, mas eu aqui depressa com medo da feiosa rachar a gente disse logo:
– Esta é minha, na próxima você paga.
Pra que, ela emendou:
– Próxima é o c…. O senhor vai beber é com a senhora sua mãe ok.
Suspendeu Jair pelo braço e o foi arrastando para o mercado como se arrastasse um enteado.
O bar inteiro me olhava. Eu ali sem saber que atitude tomar, o que dizer em minha defesa, limitei a dizer:
– Aí, rapaziada, senta aqui que a rodada é por minha conta para gente comemorar ser solteiro.
Bebi só mais uma e deixai outras pagas para os amigos, com medo que o casal voltasse e, quem sabe, me vendo ali no bar ainda começasse um barraco novo.
Corri para casa e por curiosidade fui acessar o google para descobrir qual era o santo protetor dos solteiros para agradecer e, quem sabe, até mandar rezar uma missa para ele.
Há umas semanas que antes de sair olho se dona Astrogilda está na rua. Se estiver, me atraso.