Sul Fluminense – Aos 65 anos, o volta-redondense Jefferson De Paula se tornou um dos nomes mais fortes da indústria do aço e, hoje, preside a ArcelorMittal Brasil e é CEO ArcelorMittal Aços Longos LATAM e Mineração Brasil. No grupo desde 1991, De Paula está prestes a completar 40 anos no setor, tendo ocupado várias posições executivas no Brasil, na Argentina, Estados Unidos, Canadá, México e Europa. O engenheiro também é presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, principal entidade de representação da indústria do aço no país.
Jefferson recebeu a reportagem do DIÁRIO DO VALE, com exclusividade, na última quarta-feira (24), quando esteve em Resende para inaugurar um laboratório de robótica em parceria com a prefeitura da cidade.
Filho de uma barra-mansense com um mineiro, que também era metalúrgico, o engenheiro formado pela UFF (Universidade Federal Fluminense) de Volta Redonda atua na indústria do aço desde a década de 1980. Apesar da fala mansa e da serenidade habitual, Jefferson se posicionou com firmeza sobre os planos da ArcelorMittal em Barra Mansa, no Brasil e na América Latina e o mercado de aço.
O presidente foi taxativo e ressaltou os investimentos que o grupo está realizando em Barra Mansa, onde fica a segunda planta mais antiga da siderurgia brasileira. Na cidade, estão sendo aportados R$ 1,3 bilhão na modernização da fábrica e na criação de novas de linhas de produção de perfis. Nos próximos seis meses, no pico da obra, serão gerados mais de 2 mil postos de trabalho. Hoje, a unidade Barra Mansa produz 250 mil toneladas de produtos e com os investimentos passará a produzir 700 mil toneladas.
Durante a entrevista, Jefferson disse apoiar as medidas do governo em taxar o aço importado da China e que o Brasil precisa de mais investimentos para atingir o crescimento esperado pelo mercado. Ele está à frente do grupo que mais produz aço no Brasil e tem mais de 20 mil colaboradores e lembrou que 60% da produção é destinada ao mercado interno e 40% para exportação.
Leia a entrevista completa:
Diário do Vale – Como o senhor avalia o atual cenário do mercado de produção de aço?
Jefferson De Paula – Eu acho que o Brasil tem muito potencial de crescimento. Mas temos déficit habitacional, em torno de 7 milhões de residências, déficit em infraestrutura, nós temos problemas em estradas, falta metrô, saneamento básico. Mas a gente acredita muito no Brasil. O Brasil tem um potencial muito grande, mas hoje em dia o consumo do país cresce pouco. Se você olhar os últimos 20 anos, o Brasil cresceu entre 1,5% e 2% o PIB. É muito pouco para um país em desenvolvimento. E o consumo de aço está atrelado diretamente ao consumo da economia. Se a economia não cresce através da indústria automobilística, construção civil, infraestrutura, saneamento, o setor de aço acaba não crescendo. Então, vejo que o Brasil tem um futuro muito importante, muito bom.
ArcelorMittal acredita no Brasil, tanto é que está investindo, apesar de o país não estar indo como a gente esperava. Mas acreditamos que algumas reformas que já foram feitas, como a da previdência, a reforma trabalhista, a reforma tributária que está em andamento, e um Banco Central com presidente independente, é muito importante. Nosso maior problema é o déficit fiscal. O investimento em infraestrutura do Brasil bate 15%, o ano passado deu 15% sobre o PIB. Um país em desenvolvimento como o Brasil tem que ser entre 22% e 25%. Então o Brasil está investindo 7%, 10%. É por isso que o Brasil não cresce.
Diário do Vale – Em 2023, o volume de importações de aço superou em 30% a média das importações entre 2020 e 2022. Existe uma preocupação com a entrada do aço chinês e russo no Brasil, que chega mais barato do que os produtos nacionais?
Jefferson De Paula – Eu não diria que seja barato. O Brasil vem crescendo muito pouco ao longo dos últimos 15, 20 anos e o consumo do aço é a mesma coisa. Fora do Brasil existe uma sobrecapacidade muito grande de aço, principalmente na China. Hoje, a gente estima que exista uma sobrecapacidade de 550 milhões de toneladas no mundo, ou seja, não tem para quem vender. Desses 550, a gente estima que 200 milhões estão na China de sobrecapacidade. A China exportava 40 milhões de toneladas por ano, o ano passado exportou em torno de 90 milhões toneladas. Para você ter ideia, o consumo no Brasil é da ordem de 22 milhões. O Brasil não cresce. As indústrias siderúrgicas investiram, nos últimos 10 anos, 12 bilhões de reais por ano. As siderúrgicas brasileiras têm um parque moderno, competitivo, com o produto de alto valor de qualidade etc. E hoje nós trabalhamos com 60% da capacidade de produção. Porque o Brasil não cresce e porque ainda estamos recebendo aço que a gente acredita ser numa disputa leal. Porque a gente sabe é que a China exporta com prejuízo. Então, isso é uma concorrência desleal. Gera mais investimento na China, mais emprego na China, mais impostos na China e menos no Brasil. Temos discutido muito com o governo e ocorreu um avanço importante ontem (terça-feira, 23). Entendo que o governo tomou essa decisão de fazer uma média, botar uma cota, mais 30%, e depois disso 25%. Ficamos satisfeitos que o governo está preocupado com a indústria siderúrgica, com a geração de emprego, com os investimentos no Brasil. O resultado precisa ser: entrar menos aço de disputa desleal, as siderúrgicas brasileiras produzirem mais, fazer mais investimentos e gerar mais empregos. E eu vejo que nós, como a associação do Aço Brasil, temos que continuar vendo como vai se comportar depois dessa definição do governo. Se der certo, vamos investir mais nas empresas, vamos gerar mais emprego.
Diário do Vale – Mas esse aço ‘importado’ chega as grandes indústrias brasileiras como a automobilística, a naval e construção civil?
Jefferson De Paula – Hoje, 25% do mercado brasileiro de aço já é de importados. O aço importado chega aos grandes distribuidores, principalmente, de produtos planos e longos, e eles repassam para as pequenas e médias. As grandes compram das siderúrgicas brasileiras. Alguns distribuidores grandes no Brasil importam, processam e mandam para as empresas de pequeno e médio porte. O Brasil não cresce se recebe essa importação desleal. Essa é a nossa discussão com o governo nos últimos nove meses e agora o governo entendeu e colocou o imposto de 25%, que eu acho que é uma evolução. Agora, se vai dar certo ou não, vamos aguardar e continuar investindo no Brasil. Agora, se não funcionar, eu tenho certeza de que o governo entendeu e vai discutir de novo com a gente. Não estamos aqui para gerar investimento e emprego na China. Nós estamos aqui para gerar emprego no Brasil, impostos no Brasil. E pegar a parte da receita também do grupo, fazer investimentos em educação, investimentos socioambientais.
Diário do Vale – A ArcelorMittal tem investido de forma robusta no mercado brasileiro. É a maior produtora do Brasil e líder no mercado mundial de aço. Quais os objetivos da Arcelor Mittal no Brasil? A empresa quer aumentar sua participação?
Jefferson De Paula – Com relação ao mercado interno, a ArcelorMittal é a maior no Brasil a nível de produção. No ano passado, a ArcelorMittal produziu 13,2, milhões de toneladas de aço. Mais do que dobro do segundo colocado que produziu 6 milhões. Nós somos o maior produtor. A ArcelorMittal está fazendo, em quatro anos, investimento de R$ 25 bilhões, sendo que R$ 11 bilhões foram na compra da CSP, Companhia Siderúrgica Pacém, no Ceará. Estamos aportando mais R$ 14 bilhões em melhorias de performance, aumento de capacidade, produção de novos produtos, melhorias de qualidade. De toda a produção da ArcelorMittal Brasil, 60% da produção é destinada ao mercado interno e 40% é exportação.
Diário do Vale – A planta industrial de Barra Mansa (RJ), uma das mais antigas em operação siderúrgica do Brasil, está recebendo investimentos para aumentar a produção e se modernizar. Qual o projeto para Barra Mansa? A produção será direcionada para o mercado interno ou externo?
Jefferson De Paula – Barra Mansa está recebendo um investimento de R$ 1,3 bilhão. É a única do grupo que produz perfil que é a cantoneira, barra chata, de alta qualidade. Estamos com 800 pessoas trabalhando na expansão e vamos chegar, no pico da obra, daqui a uns seis meses, com duas mil pessoas trabalhando. Acreditamos que no final do ano, em dezembro, nós vamos gerar mais 200 vagas próprias nossas, para operar o projeto de expansão. Hoje, produzimos 250 mil toneladas de produtos em Barra Mansa e iremos passar a produzir 700 mil toneladas. Além disso, vamos fazer perfis até 8 polegadas que a gente não produzia antes, então são novos produtos voltados para a construção civil e indústria. Lembro que quase 100% da produção da unidade Barra Mansa é focada no mercado interno. A unidade Barra Mansa é a segunda planta siderúrgica mais antiga do país.
Diário do Vale – Gerar empregos e atuar efetivamente na área social e ambiental é uma marca da Arcelor Mittal. Na área social, a ArcelorMittal investiu mais de R$ 300 milhões. Como funciona a política interna de responsabilidade socioambiental?
Jefferson De Paula – A ArcelorMittal tem no Brasil, a Fundação ArcelorMittal, que começou há 35 anos atrás. Nós, nos últimos quatro anos, investimos R$ 300 milhões de reais e foram 11 milhões de pessoas envolvidas entre professores, alunos, em nossas ações sociais. Estamos trabalhando muito forte nas áreas da cultura, educação e esporte, principalmente na educação. Hoje, estamos inaugurando esse laboratório de robótica, porque acreditamos que o mundo mudou e vai mudar mais ainda, e as escolas públicas, infelizmente no país, não têm recursos para desenvolver esses jovens, para estar preparados para o futuro. Porque o presente e o futuro, já são tecnologia, engenharia, digital, robótica, inteligência artificial. Há dois anos, lançamos o projeto da liga STEAM e o laboratório de robótica é o terceiro implementado. Temos um em Minas, um em São Paulo e agora, em Resende. Primeiro, iremos treinar os professores nessa tecnologia STEAM que é ciência, tecnologia, engenharia, arte e matemática. Vamos orientar os professores da rede para que eles, junto com esse laboratório, possam ajudar a preparar nossos alunos para o futuro. A nossa ideia é mudar a mentalidade das crianças para eles entenderem e ficarem motivados para o estudo técnico, depois engenharia, ou matemática, ou física, ou ser um físico, ou ser um desenvolvedor de inteligência artificial.