
Empresas podem ser penalizadas caso fiquem comprovadas práticas que contribuem para o adoecimento mental dos funcionários. (Foto: Depositphotos)
Sul Fluminense – A partir de 26 de maio deste ano, todas as empresas brasileiras terão que se adequar à Norma Regulamentadora 01 (NR-01), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O DIÁRIO DO VALE produziu uma reportagem especial sobre a norma. O documento estabelece as diretrizes gerais para segurança e saúde no trabalho no Brasil, incluindo o gerenciamento de riscos ocupacionais, sobretudo os que tratam de saúde mental, denominados riscos psicossociais. A norma se aplica a empregadores e empregados, tanto urbanos quanto rurais, e é obrigatória para organizações públicas e privadas.
A medida, se seguida corretamente, pode auxiliar a vida de pessoas como Jerônimo*, morador de Barra Mansa. Ele, que tem 32 anos e é desenvolvedor de software em uma startup, diz trabalhar sob prazos apertados, sofrer com reuniões que parecem intermináveis e lidar com um chefe que exige disponibilidade vinte e quatro horas, sete dias por semana. Com o tempo, lamenta Jerônimo, a paixão por tecnologia virou um fardo, e agora ele se sente esgotado e sem propósito.
“Estou no meu limite. Todo dia acordo já cansado, pensando nos problemas que tenho que corrigir, nas entregas atrasadas e nas mensagens do chefe no WhatsApp de madrugada. Não existe fim de expediente, parece que esperam que eu esteja sempre disponível”, reclama, acrescentando que já perdeu as contas de quantos finais de semana passou trabalhando – e, detalhe, sem direito a pagamento por hora extra. “Meu cérebro não desliga mais, nem para dormir. Antes eu amava programar, agora só sinto ansiedade quando abro o notebook. Além disso, desenvolvi depressão e não posso nem deixar que isso se torne público, pois vão me ver como fraco e me demitir. Tenho certeza”, desabafa.
O desenvolvedor de software engrossa a estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS); de acordo com o órgão, cerca de 15% dos trabalhadores adultos no mundo têm transtornos mentais, sendo que, no Brasil, as doenças mentais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho.
Saúde mental
No Brasil, casos como o de Jerônimo não são a exceção, mas a regra. Dados do Ministério da Previdência Social mostram que, em 2024, foram registrados quase meio milhão de afastamentos do trabalho por problemas de saúde mental – 68% a mais do que os números registrados em 2023.
Pela NR-01, as empresas devem identificar e avaliar os riscos psicossociais relacionados ao trabalho, como estresse, assédio e condições que possam causar ansiedade ou depressão. Também precisam adotar medidas para prevenir e controlar os riscos psicossociais, priorizando a eliminação ou redução desses fatores, o que pode incluir mudanças na organização do trabalho, como melhorar a comunicação, reduzir a carga horária excessiva e promover um ambiente de trabalho mais saudável.
Em entrevista ao DIÁRIO DO VALE, a coordenadora nacional de Riscos Psicossociais do Ministério do Trabalho, Odete Cristina Reis, explica que um dos grandes vilões que afetam a saúde dos trabalhadores, a temida Síndrome de Burnout, é considerada oficialmente como uma doença ocupacional.
“A Síndrome de Burnout, conhecida também como a Síndrome do Esgotamento Profissional, foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2022, como doença ocupacional, e, em 2023, o Ministério da Saúde incluiu a doença na lista de doenças relacionadas ao trabalho. Ou seja, a pessoa que apresentar a doença tem os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários que aqueles gerados pelo diagnóstico de outras doenças e acidentes decorrentes do trabalho”, explica Odete.
A coordenadora destaca, ainda, que pessoas com diagnósticos de doenças relacionadas ao trabalho e que precisem ficar afastadas das atividades laborais por mais de 15 dias, têm direito a auxílio previdenciário do tipo acidentário. “Quando retorna ao trabalho, essa pessoa possui estabilidade no emprego por 12 meses. Se ocorrer sequela permanente decorrente da doença ocupacional, o trabalhador faz jus ao auxílio-acidente”, explica ela, que acrescenta: “A pessoa pode ainda requerer, junto à Justiça, indenização por danos morais”.
Para comprovar o burnout e outros transtornos de ordem mental causados ou potencializados pelo ambiente de trabalho, Odete Reis orienta os trabalhadores a apresentarem documentos como relatórios ou laudos médicos em que esteja registrado que sua doença foi causada ou está relacionada com as condições de trabalho às quais estava exposto
Ela garante que, por lei, o trabalhador diagnosticado com doenças mentais relacionadas ao trabalho não pode ser demitido enquanto estiver afastado pelo INSS. “Seja durante vigência de atestados médicos ou enquanto estiver afastado pelo INSS. Além disso, caso o motivo do afastamento seja doença ocupacional, e ele esteve afastado pelo INSS recebendo benefício do tipo acidentário, ao retornar ao trabalho após a alta do INSS, essas pessoas possuem estabilidade no emprego por 12 meses, conforme mencionado anteriormente. Ou seja, a empresa não pode fazer a demissão dessas pessoas, a não ser por justa causa”, salienta, acrescentando que, se o trabalhador não estiver afastado e for demitido após relatar sintomas de burnout, por exemplo, pode recorrer à Justiça, uma vez que sua doença foi causada pelo trabalho.
Fiscalizações
Segundo Odete Reis, o Ministério do Trabalho realiza fiscalizações para verificar, entre outras, as condições de trabalho e averiguar se as normas regulamentadoras, que consistem em obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho, estão sendo cumpridas. “Dessa forma, faz parte das atribuições da auditoria fiscal do trabalho, a verificação de casos de doenças ocupacionais, inclusive devendo realizar análises daqueles casos graves ou fatais”, complementa.
Ainda de acordo com a coordenadora, as empresas podem ser penalizadas caso fiquem comprovadas práticas que contribuem para o adoecimento mental dos funcionários. “Faz parte das atribuições dos auditores-fiscais do trabalho a lavratura de autos de infração relativos às irregularidades verificadas”, ressalta, lembrando que todo trabalhador pode e deve denunciar casos de assédio moral ou condições de trabalho nocivas/abusivas através do site denuncia.sit.trabalho.gov.br.
A crise silenciosa do mundo corporativo
Ambientes de trabalho nocivos, caracterizados por sobrecarga de tarefas, falta de reconhecimento e suporte inadequado, podem levar ao desenvolvimento de síndromes como o burnout, transtornos de ansiedade e depressão. O burnout, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma síndrome relacionada ao trabalho, é um esgotamento emocional e físico causado pelo estresse constante, afetando uma parcela significativa da força de trabalho mundial. Estudos apontam que longas jornadas de trabalho são responsáveis por mais de 745.000 mortes por ano, relacionadas a doenças cardíacas e derrames.
Além disso, os transtornos de ansiedade e depressão impactam diretamente a saúde mental de milhões de pessoas, com a OMS estimando que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, enquanto 9,3% lidam com transtornos de ansiedade. Esses distúrbios são frequentemente agravados pela pressão excessiva no ambiente de trabalho, gerando sentimentos de fracasso, desmotivação e comprometendo a capacidade de desempenho profissional.
1 comment
Se está ruim pro Jerônimo, imagina para os professores! Ameaçados, sempre errados, tendo que dar conta de tarefas que não são suas e ainda ouvir desde: pago seu salário até o famoso: Ele não é assim em casa…