
Se a vítima optar em não denunciar o agressor, a alternativa é uma comarca da Defensoria Pública da sua cidade. (Foto: Matheus Ruffino)
Paraty – Um líder indígena de Paraty, na Costa Verde, foi obrigado pela Justiça a se afastar da aldeia depois de ser apontado como o principal suspeito de violência doméstica. O caso aconteceu em uma das duas terras indígenas homologadas na cidade histórica e envolve o filho de um cacique e uma mulher indígena da mesma aldeia com pouco menos de 50 habitantes.
Parte do relatório produzido pela Defensoria Pública Única de Paraty descreve, além dos abusos, que a indígena teve “intenso sofrimento mental com ideação suicida”, violência com maior número de vítimas registrada no Estado de acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ).
Após audiência especial no fórum do município, na segunda-feira (18), o indígena acusado de agredir psicológica, sexual e fisicamente a vítima de 30 anos cumpre medida protetiva de 120 dias fora da aldeia, podendo ser preso pela Lei Maria da Penha se burlar o distanciamento judicial.
Pela primeira vez na região Costa Verde um indígena responde criminalmente por acusação de estupro, aponta registros.
Durante os quatro meses, representantes da Justiça, acompanhados de integrantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Secretaria Municipal do Ambiente (SEMAM) e das partes indígenas envolvidas, vão elaborar um protocolo de convivência sinalizando se o agressor poderá retornar ou não para a rotina na aldeia.
Denúncias feitas pela primeira vítima, em fevereiro deste ano, serviram para que outras três mulheres indígenas da mesma comunidade reconhecessem uma sequência de abusos sofridos e procurassem a 167ª Delegacia Policial, em Paraty, para denunciar o agressor do mesmo povoado. Uma dessas indígenas optou por sair da aldeia em decorrência dos abusos enfrentados.
Com a repercussão dessas ocorrências, a Funai tem recebido e encaminhado mulheres guaranis violentadas para autoridades competentes.
Engajada em temas relacionados à defesa da mulher, a defensora pública responsável por acompanhar o processo da vítima é Renata Jardim da Cunha Rieger, que destacou a importância de todas as mulheres procurarem suporte jurídico para denunciar agressores – não apenas mulheres aldeadas.
Outro aspecto trazido por ela envolve a subnotificação de casos em Paraty: inúmeras mulheres são violentadas diariamente, mas não procuram amparo legal, levando, às vezes, a assassinatos por feminicídio. Em 2023, inclusive, o país registrou 1.463 casos de vítimas desse crime, o maior número desde que a lei contra o feminicídio foi criada, em 2015.
“Elas têm vergonha, se culpam, passam por muita exposição. Isso falando da mulher não indígena. Na aldeia esse rompimento é ainda mais difícil. Não é porque você está numa aldeia que o sistema judicial não vai te dar bola”, alertou a defensora que tem promovido formações da equipe para atendimento humanizado de vítimas, além de rodas de conversas e visitas às aldeias para falar sobre direitos e acessos.
Medida protetiva de 30 metros foi insuficiente
Antes da decisão que determinou afastamento do agressor por 120 dias, o juiz da comarca, em fevereiro de 2024, concedeu uma medida protetiva de 30 metros de distância, que não foi suficiente, visto que os envolvidos moravam no mesmo povoado.
Quando retornou das férias, a defensora Renata Jardim da Cunha Rieger e a equipe da Defensoria perceberam que a mulher ficava presa em casa, impossibilitada de viver e participar das rezas diárias, enquanto o agressor mantinha a rotina habitual.
“Então eu cheguei e fiz reuniões com representante da Funai, com a Valéria Mozzer, indigenista da cidade, muitas reuniões com a vítima para ouvir o que estava acontecendo; com a Comulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Alerj, porque as particularidades desse caso, de fato, demandavam algo que estava além daquilo que estávamos acostumados a enfrentar aqui”, disse Renata.
Nessas conversas, a vítima que completou 30 anos no mês em que decidiu expor a situação contou quais violências vinha sofrendo ao longo das décadas. Durante a infância, na aldeia onde cresceu, dos sete aos 12 anos de idade, foram relatados uma série de abusos sexuais e, mais recentemente, o embate estava relacionado a opressão, perseguição e descredibilização por parte do agressor.
Há mais de 25 anos atuando nas comunidades indígenas de Paraty, a indigenista Valéria Mozzer, hoje na SEMAM, também acolheu a jovem, inicialmente com perfil psíquico debilitado e ideação suicida, ou seja, quando a vítima tenta tirar a própria vida. “Ela me apresentou a denúncia dizendo que estava se sentindo muito ameaçada. Essa denúncia saiu de uma carta que ela fez para comunidade indígena ter conhecimento do que estava acontecendo em relação ao autor do crime”.
Atualmente, a mulher recebe atendimento psicológico no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade. Além do suporte jurídico e público, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e a Comissão de Direitos da Mulher, da Câmara Municipal, também acompanham a vítima.
Favorável ao aumento de distância entre as partes, Mozzer concluiu: “Abuso sexual é um crime, assim como as ameaças que ela vinha sofrendo mediante a presença do réu próximo à casa dela, perto dos locais em que ela frequenta”.
Procure ajuda presencial ou disque 180
Para os casos em que a vítima deseja denunciar o agressor, a Delegacia de Polícia pode ser a primeira opção. Se tiver fotos, áudios, vídeos e mensagens que ajudem a fortalecer a denúncia, apresente-os em um registro de boletim de ocorrência.
Em Paraty, a delegacia conta com a Patrulha Maria da Penha na oferta de atendimento especializado para as mulheres. Se optar em não denunciar o agressor, a alternativa é uma comarca da Defensoria Pública da sua cidade. Órgãos municipais como o Centro de Assistência Social (CRAS) e Coordenadoria Especial da Mulher podem ser procurados. Após a escuta ativa, a vítima será encaminhada para o melhor atendimento.