Quilombhoje: espírito de quilombo nos dias de hoje

by Diário do Vale

Grupo reunido em 1983 – Foto: Reprodução/ quilombhoje

No último dia 28 de fevereiro foi comemorado os 39 anos de criação do Grupo Quilombhoje Literatura, que abriu espaço para que escritores negros pudessem fazer e discutir literatura. Mas, qual a importância de um coletivo que reúne escritores negros criado em 1980? Entenda a importância social e política do Quilombhoje e de outros grupos e editoras com temática racial.
A ideia de brasilidade foi construída no século XIX e a literatura teve papel importante nesta construção. Como expressa a professora Drª. Florentina Souza, intelectuais do século XIX fizeram da literatura veículo de construção e transmissão de ideias e valores que compuseram os discursos oficiais sobre o Brasil, os quais José de Alencar, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, entre outros. Neste sentido, políticos e intelectuais elegeram quais símbolos ou grupos enaltecer ou esquecer nesse processo de construção identitária e, o elemento negro, ora era invisibilizado, ora, retratado a partir de estereótipos racistas. Algumas obras alçadas à condição de clássicos literários corroboram com esta perspectiva. A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, apresenta a heroína escravizada com características brancas a fim de ressaltar a humanidade desta. No romance O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, nos deparamos com a bestialização com a qual foi retratada a ‘‘escrava Bertoleza’’ e a erotização da ‘‘mulata Rita Baiana’’.
Entre os séculos XIX e século XX, alguns autores proeminentes negros buscaram trazer à tona as condições impostas aos escravizados e seus descendentes, entretanto, muitos destes autores ficaram à margem do cânone literário brasileiro, tendo sido resgatados na contemporaneidade. Entre estes autores, destacamos Luís Gama, filho de uma africana escravizada e um português; Lima Barreto, neto de escravizados; Solano Trindade; Maria Firmina dos Reis que, em 1859 publicou Úrsula, o primeiro romance de temática abolicionista no Brasil; José do Patrocínio; André Rebouças e Cruz e Souza, escritores negros que retrataram o negro enquanto sujeitos de suas próprias histórias.
Inseridos em um contexto de exclusão social e racial e de séculos de silenciamento, as vozes literárias negras ganharam força a partir grupos, jornais e associações no início do século XX. A partir destes encontros, como lembra Florentina Souza, promoviam confraternizações, cursos e festas na tentativa de romper as barreiras da política cultural da época; O Clarim da Alvorada, o Jornal Quilombo, dirigido por Abdias do Nascimento, o Teatro Experimental do Negro, Jornal do Movimento Negro Unificado, os Cadernos Negros, entre outros grupos da imprensa, arte, política, literatura foram exemplos de grupos que reuniam artistas e intelectuais negros.
Na luta contra a exclusão e o silenciamento, a população negra, especificamente no campo da literatura, tem feito uso de coletivos como forma de fortalecimento, resgate da história e da cultura afro-brasileira, de inclusão político-social, mas também como forma de superar as dificuldades mercadológicas. O grupo Quilombhoje, que comemora 39 anos de criação, é uma das vozes dessas expressões.
O Quilombhoje foi fundado em 1980 por Cuti, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues e outros escritores com o objetivo de discutir e aprofundar a experiência afro-brasileira na literatura, incentivar o hábito da leitura e promover a difusão de conhecimentos e informações sobre literatura e cultura negra. Em 1982, com a entrada de Esmeralda Ribeiro, Márcio Barbosa (atuais coordenadores), Miriam Alves e Oubi Inaê Kibuko, o grupo assumiu a organização dos Cadernos Negros (coletânea publicada anualmente desde 1978), que tornou o grupo conhecido nacionalmente.
O Grupo publica autores negros e incentiva outros a seguirem o exemplo, fomentando a produção literária negra, historicamente excluída das grandes editoras. É importante ressaltar que a escritora Conceição Evaristo foi revelada na década de 1990, nos Cadernos Negros. Conceição Evaristo, em 2018, foi candidata a ocupar a cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, lugar, até então, nunca ocupado por uma escritora negra.
Pesquisa realizada pela professora Drª Regina Dalcastagnè, em 2005 e que resultou no livro “Literatura Contemporânea – Um Território Contestado” (2012), revelou o cenário literário e editorial brasileiro. 93,9% dos autores e 92% dos personagens, numa sociedade onde 54% da população é negra, são brancos. 7,9% dos personagens são negros e só 5,8% destes sãos protagonistas, dos quais, ainda, 20,4% eram bandidos ou contraventores, 12% empregados domésticos e 9,2% escravizados.
Para minimizar e combater os efeitos desta modalidade de racismo institucional, editoras com recorte racial têm se tornado uma importante ferramenta de inclusão. As editoras Malê, Ogums, Nandyala, bem como o grupo Quilombhoje têm constituído caminhos para a publicação de autores negros, na contramão do cenário editorial brasileiro, seguindo e atualizando a herança de Luís Gama, Cruz e Souza, Lima Barreto, Solano Trindade e Carolina de Jesus. Esta, ainda tímida mudança no cenário, tem feito com que eventos, feiras e bienais literárias foquem em temas como diversidade e convide autores de diversos segmentos sociais e étnico-raciais, especificamente negros e indígenas. Esta mudança, no entanto, ainda não é observada nas livrarias Brasil a fora, onde a presença de autores negros é mínima.
E você, quantos autores e autoras negras já leu?

 

* As informações são da Fundação Cultural Palmares

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1 comment

guto 16 de março de 2019, 16:26h - 16:26

O racismo não está apenas na literatura, mas também dentro da Igreja Católica, basta lembrar que Dom Waldir Calheiros só veio para Volta Redonda porque a sociedade não aceitou um bispo negro!
O que dizer de uma sociedade que aceita bispo vermelho, mas não aceita bispo negro?!
Como diria o ex-Senador Mão Santa: “A ignorância é audaciosa!”…

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