Renovação política em outubro pode ser menor do que o esperado

by Diário do Vale

População escolherá formação do Congresso Nacional


Brasília –
Os resultados das eleições de outubropodem frustrar quem espera mudanças na política nacional. Partidos hegemônicos e políticos tradicionais tendem a se beneficiar de um sistema eleitoral que é pouco permeável à renovação, diz o economista e doutor em direito Bruno Carazza.

Autor do livro Dinheiro, Eleições e Poder, Carazza destaca que as campanhas são caras e que, como já ocorreu em outros pleitos, o financiamento contará com dinheiro ilegal de empresas – em esquemas já vistos nas investigações da Operação Lava Jato. Até mesmo o dinheiro lícito, disponível no fundo de assistência financeira aos partidos políticos e no fundo de financiamento eleitoral, será usado pelos dirigentes partidários para se reelegerem.

No livro, editado pela Companhia das Letras, o economista cruza dados sobre as doações eleitorais, obtidos em delações premiadas, com projetos, votações e atuação de parlamentares – muitos dos quais vão tentar a reeleição em outubro.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Bruno Carazza à Agência Brasil:

Agência Brasil: Vamos começar com uma pergunta que o senhor faz em seu livro. “Como criminosos conseguem se reeleger, mandato após mandato, mesmo sendo bombardeados com denúncias de corrupção?”

Bruno Carazza: Temos um sistema eleitoral que favorece pessoas bem conectadas com quem tem dinheiro. Qualquer candidato que pretenda ser eleito precisa fazer uma campanha personalista e cara. Tornar-se conhecido em regiões muito grandes, como são os estados, custa muito dinheiro. Isso acaba fazendo com que os candidatos se aproximem de quem tem dinheiro. Assim, começa na origem um vício de dependência entre o candidato e o doador, seja ele pessoa jurídica (uma empresa), como era na regra antiga, seja ele pessoa física, como é hoje. Outro fator é que temos nas legendas castas avessas à alternância de poder, grupos que chamamos “de caciques partidários”, que concentram poder e dinheiro, e dão as cartas na política partidária e na política parlamentar, depois de eleitos. Além disso, o foro privilegiado é um mecanismo que atrai alguns tipos de políticos. As garantias e regalias que detêm acabam fazendo com que esses personagens se perpetuem na política brasileira.

Agência Brasil: E as alianças políticas e partidárias?

Carazza: [As alianças] ocorrem muito menos por ideologia e muito mais por razão pragmática. Os partidos têm pouca identidade programática. Isso no Brasil é muito difuso. Os partidos procuram não se comprometer com nada para não se indispor com o eleitorado. As propostas acabam sendo bastante fluidas. Há exceções à direita e à esquerda, mais isso é regra em nosso sistema partidário.

Agência Brasil: As mudanças implementadas com o financiamento dos partidos e da campanha eleitoral eram ideias antigas e foram capturadas pelos “caciques políticos”, como disse. Seu estudo é sobre um sistema que sabe se preservar e se perpetuar?

Carazza: Os grandes doadores costumavam procurar os partidos mais de centro e mais de direita, e os partidos à esquerda recebiam poucos recursos. O financiamento público era desejado para equilibrar esse jogo. Quando veio o petrolão [como ficou conhecido um esquema de corrupção e desvio de fundos na Petrobras], a reação foi proibir a doação feita por empresas. O sistema do financiamento privado foi, então, desarticulado. Num instinto de sobrevivência, os partidos se uniram e começaram a abraçar a ideia. Isso foi perfeito para as estratégias dos caciques partidários, muito deles inclusive envolvidos na Lava Jato [operação em que a Polícia Federal investiga esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em propina]. Assim tornou-se um grande instrumento para estratégias de tentar a reeleição, perpetuar-se no poder e também protelar condenações.

Agência Brasil: A disponibilidade de fundos públicos impede que haja dinheiro empresarial na campanha? Essa verba não declarada não pode financiar as eleições via caixa dois?

Carazza: Não tivemos, após a Lava Jato, a despeito de todas delações de esquemas gigantescos, envolvendo todos os partidos, nenhuma mudança na legislação para coibir o caixa 2, no sentido de aumentar penas e facilitar a investigação de crimes de corrupção, de propina e de financiamento ilícito na eleição. Proibiu-se a doação de empresas, mas sem a contrapartida de coibir a doação ilícita. Também não se avançou para tornar as eleições mais baratas. A lógica do sistema não mudou. O sistema eleitoral continua demandando muito dinheiro. Esse dinheiro virá de algum lugar. Além disso, temos um terceiro elemento: não foi desarmada nenhuma engrenagem desse sistema que faz com que o Estado seja uma mina de oportunidades para o setor privado. Então, temos, de um lado, políticos que vão continuar dependendo de dinheiro para se eleger e, de outro lado, uma série de empresas que têm muito interesse no que o Estado oferece, e têm todo interesse em suprir a demanda dos políticos. Isso não vai ser feito pelas vias oficiais. Um dos efeitos é que o que antes era feito às claras, e a imprensa podia investigar, vai para o subterrâneo de novo, como era na época do PC Farias [Paulo César Farias, tesoureiro de campanha do então presidente Fernando Collor, acusado de envolvimento no esquema de corrupção que levou ao impeachment]. Não tem nenhuma garantia de que as empresas não vão doar como caixa 2, até porque não temos mecanismos para punir isso de forma mais efetiva.

Agência Brasil: Você citou o foro privilegiado como um dos mecanismos que atraem políticos com problemas na Justiça. Mas, quando saem do foro, não há o risco de os processos regredirem várias casas e de os políticos não irem a julgamento?

Carazza: Precisamos de um processo judicial que seja mais célere, mais equilibrado, para que esses políticos sejam punidos de modo efetivo e de forma rápida. Só acabar com o foro privilegiado não resolve o problema. Temos que pensar no sistema para limitar a possibilidade de recursos protelatórios para que tenha decisões mais efetivas e mais rápidas.

Agência Brasil: Nesse sentido, a Operação Lava Jato é uma referência, ou um caso muito isolado para virar paradigma?

Carazza: Ela tem papel histórico e teve efeito positivo ao usar instrumentos modernos de persecução, como as delações premiadas. Obviamente, tivemos exagero na aplicação de um ou outro instituto. A Lava Jato teve o efeito de termobilizado órgãos de controle, o Ministério Público e a Polícia Federal.

Agência Brasil: Outubro pode ser frustrante para quem se entusiasmou com a Lava Jato e espera uma grande renovação da política? Que ambiente o próximo presidente deve encontrar para governar?

Carazza: Cada vez mais, estamos aprofundando esse modelo. Em vez de alterá-lo para ser mais positivo, para tornar a política mais inclusiva e mais aberta. Estamos observando a classe política colocando em marcha uma estratégia muito definida e muito articulada de perpetuação no poder como instinto de sobrevivência. Ao que tudo indica, não teremos grandes renovações. E teremos novo presidente eleito tendo que jogar o jogo como ele sempre foi jogado. Não vejo chances de alterar esse nosso presidencialismo de coalizão, que acabou se tornando presidencialismo de cooptação.

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6 comments

REVOLTADO 11 de agosto de 2018, 18:08h - 18:08

ACABAR COM ISSO TUDO LA METE FOGO EM BRASILIA OU CAIR UM AVIAO DO BIM LADER

CEM Reais para votar, SEM candidatos aptos depois 11 de agosto de 2018, 21:16h - 21:16

Não esqueça que os ELEITORES DE CORRUPTOS do PMDB, incluindo os evangélicos, reelegerão outros para os postos. Vai destruir Brasília, mas continuará tudo conforme dantes.

CEM Reais para votar, SEM candidatos éticos depois 11 de agosto de 2018, 18:06h - 18:06

A renovação pode ser menos do que a esperada? Como afirmar isso se não sabemos quem e quantos estão se inscrevendo no TSE?

Parece que o autor ainda não viu ou não conhece o que está acontecendo na política (não confundir com politicagem que sempre continuará a mesma no Brasil)? Todos os ex-ministros do Temer estão correndo do nome dele como o diabo corre da cruz. Muitos partidos lançando candidatos que nunca conheceram de política e não entendem do assunto. O partido PMDB, PT, PSDB, e alguns de esquerda estão lançando uma quantidade mínima de candidatos pq sabem que não receberão mais votos. Em VR mesmo quantos são os candidatos do PT que era aos montes tempos atrás? Aqui demos um basta a esses partidos começando em 2014 e consolidamos em 2016.

OBS. os candidatos e cabos eleitorais do PT estão todos escondidos no PSB e PDT. Uns poucos no PCdoB.

Em 2018 teremos outra vitória em VR. Aguardem! Estamos mais conscientes do voto e em quem NÃO votar.

Wanuil 11 de agosto de 2018, 17:16h - 17:16

Pelo menos tem idealismo próprio e certeza que não contribuiu com esse sistema político . Vou anular meu voto na certeza que não fiz parte desse chiqueiro , Se vc vota nesse sistema vc está contribuindo com os pragas. Deus disse : Faz a sua parte que te ajudarei . Nesse sistema corrupção de legendas não participo .se vc votar estará concordando com a corrupção.

Paulão 11 de agosto de 2018, 11:29h - 11:29

Nas eleições proporcionais, no caso desse ano para deputado estadual e federal, os caciques têm ainda mais chance de continuidade. Quanto menor o número de votos válidos mais fácil fica para os donos de currais eleitorais, ou seja, quem vota nulo, em branco ou não comparece para votar, ajuda as velhas “raposas” da política.
E tem aqueles que votam naquele candidato gente boa, conhecido de sua comunidade ou parente de não sei quem, mas que na verdade está num partido que nada tem a ver com o povo, cheio de velhacos que serão beneficiados pela soma dos votos dados aos cara legais. Caciques que, que, pessoalmente ou indicando filhos e outros protegidos, sempre estão no poder ou junto aos que estão lá.

FranciscoJFLacerda 11 de agosto de 2018, 10:16h - 10:16

Alguns fatores colaboram para isto, mas observa-se tempo de propaganda, realmente escasso para os iniciantes mais independentes, desigual nas rádios e TV o que dificulta a apresentação de suas propostas, o conhecimento de seus currículos e histórias da vida dos mesmos.

Apesar cada vez mais estarem perdendo espaço para as redes sociais como meios alternativos, por isto é injusto a disputa pois beneficiam com mais recursos inclusive financeiros, arranjos e coligações de grupos já dominantes, presentes no poderes políticos de um modo geral

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