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Estado do Rio – A Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Fundacentro firmaram, na última quinta-feira (10), uma parceria por meio do projeto “Caminhos do Trabalho”. A iniciativa visa mapear e combater a ocultação e subnotificação de acidentes e doenças ocupacionais no Médio Paraíba e em Niterói, oferecendo, de forma gratuita e remota, atendimento médico, orientação jurídica e acolhimento psicológico a trabalhadores de Niterói, Volta Redonda e da região Sul Fluminense que tenham sido vítimas de acidentes e agravos relacionados ao trabalho.
Entre as ações do projeto, destacam-se a avaliação da relação entre os agravos e os adoecimentos com o trabalho, a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ou outros documentos pertinentes, além de apoio jurídico trabalhista e previdenciário. Os trabalhadores podem acessar os serviços por meio de WhatsApp e e-mail específicos do projeto. Inicialmente, os atendimentos serão realizados de forma híbrida (presencial e/ou online), dependendo da localização do trabalhador.
“O projeto se encaixa no contexto de oferecer suporte a trabalhadores e gerar dados reais sobre doenças e acidentes relacionados ao trabalho. Não podemos ignorar que o Brasil, desde os anos 1970, destaca-se negativamente como um dos países com mais acidentes de trabalho no mundo”, explica Bruno Chapadeiro Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFF (ICHS/UFF) e coordenador do projeto.
Vitor Filgueiras, coordenador do projeto na Fundacentro, explica que o “Caminhos do Trabalho” faz parte de um programa nacional que forma uma rede de universidades focadas no combate à ocultação desses casos. “A ocultação e a subnotificação de agravos e doenças ocupacionais são problemas estruturais e profundos no mercado de trabalho brasileiro. Estima-se que quase 90% dos casos sejam omitidos pelas empresas, que, assim, se eximem de responsabilidades trabalhistas e previdenciárias”.
Todos os trabalhadores que precisarem reconhecer seus agravos de saúde, independentemente de vínculo formal ou informal, podem ser atendidos pelo projeto. Embora não sejam realizados atendimentos periódicos, a iniciativa oferece assistência para encaminhamentos na rede de saúde e assistência social, criando canais de comunicação e auxílio frequentemente ausentes nas empresas. “Esse serviço é crucial para reconhecer e documentar acidentes e doenças do trabalho, ajudando a combater a falta de dados reais”, acrescenta o pesquisador.
Chapadeiro destaca que a iniciativa visa suprir lacunas na assistência à saúde dos trabalhadores na região Sul Fluminense e em Niterói, promovendo a integração de diferentes atores sociais e gerando dados que não apenas ajudem na assistência imediata, mas também contribuam para mudanças estruturais nos ambientes e processos de trabalho, enfrentando as causas dos problemas de saúde.
“Nossa expectativa é que, ao replicar em Niterói, Volta Redonda e região esse projeto que já tem dado certo em outras partes do Brasil, possamos trabalhar com bases de dados primárias e secundárias, promovendo um atendimento técnico mais sistemático. Além disso, buscamos que a produção acadêmica e de informação seja consistente e que atuemos na formação de profissionais capacitados de diversas áreas por meio da universidade”, acrescenta Filgueiras.
Perfil de adoecimento e agravo ocupacional em Volta Redonda
Segundo pesquisas preliminares do professor Bruno Chapadeiro Ribeiro, com dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança (SmartLab SST) do MPT e da OIT, entre 2012 e 2022, foram notificadas 841 ocorrências de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), com 242 casos sem emissão de CAT, ou seja, 28,8% de subnotificação. Os setores econômicos com mais ocorrências são os de produção de laminados e planos de aço (18,6%), seguidos por atividades de atendimento hospitalar (13,2%).
Entre as ocupações mais notificadas nas CATs estão os técnicos de enfermagem (8,31%), seguidos por mecânicos de manutenção (6,74%) e operadores de máquinas fixas (5,6%). Os agentes causadores dos acidentes foram, em sua maioria, veículos rodoviários motorizados (28,6%), seguidos por motocicletas (17,1%) e fornos, estufas ou aquecedores (11,4%).
Em relação aos afastamentos trabalhistas por acidentes ou agravos que geram benefícios previdenciários B91 – acidente relacionado ao trabalho – e B31 – acidente não relacionado ao trabalho, entre 2012 e 2022, o perfil com maior número de casos é de homens entre 25 e 29 anos que atuam como faxineiros (5,38%). Os códigos internacionais de doenças (CID) relacionados a essas licenças são, em sua maioria, o CID-M54 (Dorsalgia), com 13,1%, e o CID-S62 (Fratura do punho ou da mão), com 7,92%.
Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde registram, entre 2007 e 2022, em Volta Redonda, 2.449 casos, sendo a exposição a material biológico a maior causa de agravos (44,5%), seguida por Lesão por Esforços Repetitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), com 22,6%, e Acidente de Trabalho Grave (21,2%).
Para Chapadeiro, esse cenário específico da cidade pode ser explicado pela presença da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e pelos problemas de mais de duas décadas causados pelos rejeitos químicos depositados pela empresa. “Pesquisas anteriores já constataram que tanto moradores quanto trabalhadores da indústria estão expostos a elementos potencialmente tóxicos. Contudo, a região ainda enfrenta desafios para coletar essas informações, e, nesse ponto, o projeto pode ter um papel importante para melhorar o panorama dos dados, facilitando o acesso dos trabalhadores aos serviços públicos”.