Rio Claro – Imagine por um momento que, de uma hora para outra, sua cidade inteira fosse condenada a desaparecer debaixo d’água. Casas, praças, igrejas e memórias. Este foi o destino de São João Marcos, uma cidade do século XVIII que prosperou no auge do ciclo do café e, no entanto, foi apagada das margens do mapa fluminense na década de 1940 para dar lugar à tentativa do ‘progresso’ industrial e à construção de uma hidrelétrica. Esse mesmo progresso que ergueu o Brasil moderno também foi implacável com uma população que viu seu lar desaparecer sem misericórdia.
Fundada em 1739, São João Marcos poderia ter sido, ao lado de cidades como Paraty, uma das joias culturais do estado do Rio de Janeiro. Com seu apogeu econômico na década de 1850, a cidade tinha cerca de 20 mil habitantes. Suas dez ruas e travessas abrigavam um teatro, um hospital, dois clubes, um posto dos correios, duas escolas e um padrão de vida elevado para a época. Mas em 1907, quando uma concessionária canadense da Light construiu a Represa de Ribeirão das Lajes e alagou parte do território rural de São João Marcos, uma epidemia de malária se espalhou pelo município, matando parte considerável da população.
Destombamento
A cidade foi tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN) em 1939, que reconheceu sua importância cultural e arquitetônica. No entanto, apenas um ano depois, em 1940, o então presidente Getúlio Vargas cedeu à pressão para ampliar a represa e ordenou o destombamento da cidade. Casas e prédios foram demolidos, e a Igreja Matriz, o coração espiritual de São João Marcos, foi explodida por 20 kg de dinamite – nenhum morador quis assumir a tarefa, pois seria “um pecado”; o serviço foi executado por um comerciante que se dispôs ao trabalho. As águas vieram e mataram os animais, que apodreceram ao ar livre, empesteando o ambiente. O nível da represa, porém, nunca chegou a cobrir a cidade por completo, e as ruínas que escaparam das águas resistem ainda hoje.
Parque Arqueológico
Em 1943, os últimos habitantes foram relocados para municípios próximos, como Mangaratiba, Rio Claro, Piraí e Itaguaí. Décadas depois, em 1990, as ruínas voltaram a ser protegidas pelo tombamento do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), e, em 2008, as memórias de São João Marcos ganharam novo fôlego com o Parque Arqueológico e Ambiental São João Marcos, o primeiro sítio arqueológico urbano do Brasil integralmente resgatado por arqueólogos.
Hoje, o Parque Arqueológico não só preserva as ruínas, mas mantém um museu que revive o cotidiano da antiga São João Marcos.
Para aqueles que visitam a ‘cidade fantasma’, talvez seja uma chance de sentir a presença de histórias que se recusam a afundar completamente. Afinal, a resistência das ruínas pode, para quem for mais atento, ser uma resposta ao progresso: um lembrete de que a memória tem sua própria maneira de sobreviver no futuro.
Aberto à visitação
Quem tiver interesse em visitar o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos pode fazê-lo de quarta-feira a domingo, sempre das 9h às 16h. O Parque fica na Estrada RJ-149 (Rio Claro-Mangaratiba) Km 20 – Rio Claro (RJ). A visitação é gratuita. Para mais informações, basta acessar o site em https://saojoaomarcos.com.br/.
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1 comment
Só podia ser o ditador do Getúlio Vargas para fazer uma maldade desse contra as pessoas no Sul fluminense!