A feição do novo governo

by Paulo Moreira

A feição do governo Bolsonaro começa a tomar forma. Os ministros já escolhidos e as primeiras declarações daqueles que concentrarão maior poder já permitem desenhar os contornos da fisionomia governamental. Sob a observação consensual de que teremos uma administração com forte tendência liberal na economia e conservadora nos costumes, dá para ver boa parcela de braços de empresas estatais, a começar pela área da energia, na sala dos leilões.
Há muito, a Eletrobras sinaliza o desejo de privatizar suas seis distribuidoras de energia com sede no Norte e Nordeste. Só a concessionária responsável pelo serviço no Amazonas acumula 2,5 bilhões de reais em inadimplência com dívidas e obrigações. Meses atrás, o futuro presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, chegou a defender a própria privatização da empresa, tendo recuado nos últimos dias para evitar barulho e movimentos contrários. Mas, ao dizer que a Petrobras vai se ater ao seu core business – exploração e produção de óleo – separa para venda ativos que não fazem sentido integrar o portfólio, como a Liquigás, empresa de gás de cozinha.
Mesmo sob precaução, os comandos da economia, a partir do super-ministro Paulo Guedes, sinalizam com a ideia de forte enxugamento do Estado, cujas estruturas estarão focadas exclusivamente em seus produtos e serviços, abrindo campo para a iniciativa privada avançar na rota de estatais fora do prumo. Será um desafogo, com boa receita para os cofres do Tesouro, a par da chegada da competitividade e da desburocratização em espaços vitais.
O Brasil redireciona, assim, sua trajetória econômica, atraindo interesse de investidores e criando condições para voltar a integrar o ranking das grandes economias. A meta parece consistente, claro, se for vencido o desafio das reformas fiscal, tributária e da Previdência, na mira do governo.
Na frente política, o governo buscará, inicialmente, apoio em bancadas específicas, a começar pelos três Bês (boi, bala e bíblia – bancadas do agronegócio, armamento e evangélica). A força iniciante do novo governo dará um empurrão em direção às reformas, apesar de o presidencialismo de coalizão, mais cedo ou mais tarde, querer apresentar sua fatura. Será impossível livrar-se desse grosso cipó que amarra partidos na árvore governista.
As bancadas especializadas verão atendidas partes de suas demandas, como armas para produtores rurais, desimpedimentos burocráticos do Incra, impulsos ao agronegócio e aprovação de uma pauta conservadora com foco nos valores da família (principalmente na frente educacional).
No campo dos negócios externos, a pluralidade deve inspirar as relações com os mercados, nem sempre sob a batuta do bom senso. Pode haver complicação nas negociações comerciais com a China e com os países árabes, na esteira da anunciada intenção de endurecer com os chineses e de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. O alinhamento incondicional e sem restrições aos EUA, com o previsível encontro de interesses geopolíticos, poderia afetar as relações multilaterais do Brasil? Eis uma área de grande interrogação.
Entre os vizinhos as relações podem também ser objeto de realinhamento, a partir da fragilidade com que se apresenta, hoje, o Mercosul. Caso não haja mudança nos eixos desse mercado, o Brasil até dele pode se afastar, como anuncia a futura ministra da Agricultura, a deputada Tereza Cristina.
Na ampla frente social, os primeiros apontamentos são para o Nordeste, território sensível ao petismo e onde Bolsonaro teve o pior desempenho. Por isso, parece razoável uma teia de obras, como a conclusão da Transposição do São Francisco, a perfuração de poços por todo o Polígono das Secas e a continuidade do programa Bolsa Família. Se o buraco social for fechado com sólida argamassa, o governo ouvirá loas aos seus feitos sob o velório do PT na região.
Resta saber quais serão as manifestações das fortes classes médias do Sudeste e dos bem organizados setores trabalhistas. Alguns pontos de atrito estão à vista, como o que pode ocorrer ante a eventualidade de uma reforma sindical. Será um grande barulho. Mas a maior tuba de ressonância que fará chegar o grito até as margens abrigará os profissionais liberais. Se a economia resgatar seu poder de fogo, esse contingente baterá palmas. A recíproca é verdadeira.
Essa é a primeira paisagem dos tempos bolsonarianos.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

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6 comments

Papo cabeça 30 de novembro de 2018, 19:29h - 19:29

O interesse do país sempre está em terceiro plano.Os políticos só se preocupam em se leucopletar e permanecer no poder.

Mala cheia 30 de novembro de 2018, 19:24h - 19:24

Militar competente? Você é um brincalhão ou um asno.

Obama 30 de novembro de 2018, 17:57h - 17:57

Gutinho, vá lavar privado do Trump ,seu borrra bosta.

guto 30 de novembro de 2018, 15:06h - 15:06

Nós vamos deixar de lado a Venezuela, Cuba, Bolívia e Irã como modelos a serem seguidos pelo Brasil, e passaremos a seguir os exemplos dos EUA, de Israel, da Noruega e de Cingapura!
O PT colocava nos ministérios e nas secretarias companheiros incompetentes, desorientados e corruptos, que além de roubarem a coisa pública, não sabiam nada da pasta que comandavam, pois tinham como única qualidade serem obedientes à Lula!
Agora, os tempos são outros, pois Bolsonaro escolheu pessoas com capacidades e habilidades reais no campo de atuação em que estão indo atuar. São ministros não só por serem conhecidos por Bolsonaro, mas, antes de tudo, por já terem demonstrado que são liberais e aceitam as regras do mercado!
São pessoas que respeitam os empresários brasileiros e buscam o melhor para as empresas e para a população em geral!

Trump do aço 30 de novembro de 2018, 09:58h - 09:58

O aparelhamento se dará com os militares e membros da velha política de sempre,nada mudou.Os que diziam sobre viés ideológico da quadrilha anterior se calam quando é da sua.

Temer 30 de novembro de 2018, 07:39h - 07:39

Temer será considerado um estadista ao final do governo bolso

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